Coluna Pomerana
Vila Neitzel: a maior comunidade pomerana de Minas Gerais
Publicado em 16/11/2023 às 14:23
Folha Pomerana Express | Um informativo a disposição da Comunidade Pomerana Brasileira
Franz Lerchenmüller
Correspondência Cultural da Europa Oriental Nº 506
Novembro de 2023
Tradução Ivan Seibel
As características desta vila mineira são bastantes diferentes das tradicionais vilas colônias, presentes em todo o Estado de Minas. Ao chegar nesta vila, percebe-se de cara que é um lugar único em Minas Gerais. Nesse lugar, os sobrenomes fogem do padrão normal dos sobrenomes portugueses usuais em Minas. Nesta vila, seus moradores tem sobrenomes como Sibele, Tetzner, Borchadt, Klemz, Kamke, Pittelkow, Butske, Pieper, Raasch, Schreiber, Friedrich, Wendt, Lancken, Strelow, Mutz, Welmer, Lehman, Ortlieb, Kester , Ponaht, Denard, Welherman, Rossow, Reckel, Schwe, Dietrich, Kampini, Uhlig, Felberg, Bichi, Schneider, Saibel, Schulz, Neumann, Schumacher, Gaede, Neitzel, Gumz, Boasquives, Eller, Polack, Witt, Schemelpfenig, dentre outros tantos.
Povo de sorriso aberto, tons de pele bem claros, olhos claros, cabelos loiros, culinária diferente, vestimentas diferentes em dias festivos, dança e música diferentes da dança e música caipira tradicional que conhecemos. Tem ainda o casario com arquitetura bastante diferente do tradicional Barroco Mineiro. Nesse lugar, a religião predominante não é a Católica, como é na maior parte de Minas Gerais. Eles seguem a religião Luterana. Além disso a língua mais falada nesta vila não é o português e sim o pomerano, a língua oficial da extinta Pomerânia.
Pomeranos e Luteranos
Os pomeranos viviam na Pomerânia, uma antiga região do Sacro Império Romano-Germânico, situada na costa sul do Mar Báltico, entre a Alemanha e a Polônia, no século X. Mais precisamente, entre as duas margens dos rios Vistula e Odra e o rio Recknitz, a oeste da Europa. O território da Pomerânia foi integrado ao território da Alemanha e da Polônia após a Segunda Guerra Mundial. Antes da unificação alemã, os pomeranos faziam parte da Prússia.
Os pomeranos são descendentes dos povos eslavos, referência a uma ramificação étnica e linguística de povos indo-europeus, da Europa Oriental e Central. Por esse motivo, sua história, costumes, cultura, tradições, festividades, ancestralidade e a língua pomerana, serem diferentes do alemão-padrão.
A língua pomerana assemelha-se mais ao holandês, vestfalliano e saxão antigo do que com a língua alemã-padrão. Embora a Pomerânia tenha feito parte território germânico, é um povo com origens ancestrais diferentes dos alemães Os pomeranos não são alemães, são pomeranos.
Além disso, os pomeranos são luteranos. Pra quem não sabe, pomeranos e alemães, professam, em sua maioria, a fé cristã luterana. Foi na Alemanha, no século XVI, que surgiu a Reforma Protestante, movimento religioso liderado por Martinho Lutero, ex monge agostiniano, contrário, principalmente contra a cobrança de indulgências pela Igreja Católica.
Foi através dos imigrantes alemães que o protestantismo chegou ao Brasil, presente hoje em boa parte dos Estados Brasileiros, reunindo, não só descendentes de alemães, mas quem concorda, aceita e professa o credo luterano, através da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (IECLB) e Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB).
Que vila é essa? Onde fica?
É a Vila Neitzel, distrito de Itueta, município localizado no Vale do Rio Doce, a 403 km distante de Belo Horizonte. Itueta faz limites territoriais com Resplendor, Santa Rita do Itueto e Aimorés em Minas e ainda, Baixo Guandu, no Espírito Santo.
O surgimento de Itueta tem início no século XX com a chegada de imigrantes europeus à região, principalmente pomeranos e alemães. É em Itueta que está a maior comunidade pomerana de Minas Gerais, localizada ao Norte de Itueta. A comunidade pomerana de Itueta é formada pela vila sede, Vila Neitzel e várias pequenas comunidades em seu entorno, como Córrego do Chapéu, Córrego do Juazeiro e Santo Antônio, dentre outros, além de outras famílias que residem em pequenas propriedades nas proximidades da Vila Neitzel.
Em sua maioria são famílias de pequenos produtores que tiram seu sustento cultivando a terra, no cultivo de café, milho, batata, inhame, mandioca, leite, além de produzirem produtos quitandas, doces, geleias, queijos etc. Itueta conta atualmente com pouco mais de 6.500 habitantes. Desse total, são cerca de 2 mil descendentes de pomeranos e alemães, em sua maioria concentrados nas comunidades rurais da Vila Neitzel, distante 37 km da cidade. Foram os imigrantes que deram origem da formação de Itueta.
Por que deixaram a Europa?
Com a contínua crise na Europa, piorando com a Primeira Guerra e na eminência de outra Guerra Mundial ainda maior, com consequências mais catastróficas que a primeira, fizeram que milhares europeus deixassem seus países rumo ao Brasil. Minas Gerais recebeu um grande número desses imigrantes e o Vale do Rio Doce também.
Em busca de uma vida melhor
Os imigrantes pomeranos chegaram ao Brasil a partir de 1859, fugindo das guerras, fome e miséria, além do preconceito contra sua cultura e discriminação religiosa que eram submetidos. Deixaram a Pomerânia em busca de uma vida melhor longe das guerras, da fome e perseguições religiosas e culturais. No Brasil, os pomeranos eram encaminhados às colônias agrícolas e comunidades nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e principalmente no Espírito Santo, estado do Sudeste que recebeu maior número de imigrantes.
De imigrantes a migrantes
Parte dos descendentes desses imigrantes deixaram o Espírito Santo no início do século XX, entre os anos de 1914 e 1920, atravessaram o Rio Doce e chegaram à Minas Gerais, igualmente fugindo da pobreza e da fome. Vieram para as terras mineiras em busca de segurança, emprego e melhores condições de vida e trabalho. Não apenas pomeranos, mas descendentes de alemães deixaram o Espírito Santo e algumas famílias de pomeranos e alemães que viviam no Sul, migraram-se também para Minas Gerais.
Por que escolheram o Vale do Rio Doce?
Nessa época, o Vale do Rio Doce era uma região pouco habitada e inexplorada, onde prevalecia florestas densas e fechadas de Mata Atlântica. Não havia estrada, pontes, nenhuma estrutura. O Vale do Rio Doce foi a última região a ser povoada em Minas.
A presença dos imigrantes foi o marco do povoamento e desenvolvimento da região, bem como a construção da Estrada de Ferro Vitória Minas que ligava Belo Horizonte à capital capixaba. Seu primeiro trecho foi inaugurado em 1904 e envolveu a mão de obra de centenas de trabalhadores em cada ramal que ia sendo construído, além de promover o surgimento de povoados no entorno das estações, que futuramente se tornariam distritos e até mesmo, cidades.
Região rica em madeira nobre, rios e água em abundância, além de terras férteis, os pomeranos viram na região a oportunidade de melhores condições de vida e trabalho. Na foto acima da Elvira Nascimento, paisagem nativa de Mata Atlântica, típica do Vale do Rio Doce.
Por isso a escolha, além claro, da proximidade do Espírito Santo com a região. O Rio Doce marcava a divisa dos dois estados, o que facilitou a escolha dos pomeranos capixabas, por ser a região mais próxima. Atravessaram o rio e instalaram-se com suas famílias na margem esquerda do rio, dando origem a comunidades e formação de sítios e fazendas na região.
Travessia do Rio Doce
Naquela época não havia pontes ligando o Espírito Santo à Minas. O único jeito era atravessar o Rio Doce em canoas ou balsas a partir de Baixo Guandu, no Norte do Espírito Santo, na divisa com Minas. Em Baixo Guandu, os pomeranos eram recebidos pela comunidade evangélica local como mostra os arquivos históricos da Igreja de Confissão Luterana de Baixa Guandu. Ajudavam no acolhimento, além de contar com o apoio espiritual oferecidos pelos pastores Albert Bionow e Emilie Kremz Bienow e Carl Wolfgramm e Louise Wernicke Wolfgramm.
Não foi uma migração fácil. Os pomeranos deixaram suas terras e suas casas para trás, seguindo até Baixo Guandu a pé, levando seus poucos pertences em lombos de mulas e burros. Atravessaram o Rio Doce, entrando em Minas Gerais e rumo a seu destino, abrindo caminho nas matas fechadas a facão. Dessa margem, até o local onde ficariam, era uma caminhada de cerca de 40 km e ainda por cima, carregando seus pertences nas costas e filhos pequenos, sem pouco ou nenhuma comida, se alimentando de peixes e frutos silvestres pelo caminho.
Formando comunidades
Seguiam pela margem do Rio Doce, e seguiam para o norte do que é hoje o município de Itueta MG, formando comunidades às margens de
córregos ou lagoas, por serem
agricultores e precisavam estar perto de água.Vieram para trabalhar no cultivo da terra, cultivando lavouras de milho, café, batatas, mandioca, inhame, além de criarem porcos, gados, galinhas, patos e marrecos.
Aos poucos a migração foi aumentando, cada dia mais chegando pomeranos e alemães. Com isso foram surgindo várias pequenas comunidades, sempre à beira de córregos ou lagoas como as comunidades de Macaquinho, São Simião, Jequitiba, Laranjeira, Juazeiro, São Tomé, Santo Antônio, Quatro Rodas, Baixio, Racha Pau, Vargem Alegre, Alto Santo Antônio, Santo Antônio e Vila Neitzel. (No mapa acima, podem ter noção das comunidades pomeranas (na cor azul) e suas localizações, formadas ao norte de Itueta, no início do século XX. Essas comunidades ficavam nas proximidades da fazenda da família de Henrique Neizel, onde já existia uma pequena estrutura no entorno do casarão sede da fazenda com farmácia, armazém e maquinários para produção de alimentos.
Em Itueta, mantiveram o modelo de desenvolvimento de pequenas propriedades e diversificação de cultivares na produção de alimentos, modelo chamado hoje de Agricultura Familiar. Modelo este que deu muito certo no Sul do país através dos imigrantes alemães e pomeranos. Inclusive esse foi um dos fatores de incentivo do governo em abrir as portas do país para os imigrantes pomeranos, alemães e europeus em geral.
Não apenas isso, imigrantes tinham muito conhecimento sobre tecnologias industriais, já que a Europa era experimentara um alto desenvolvimento industrial, para a época. Além disso, os europeus sabiam muito bem cultivar a terra, tradição passada por gerações. Exerciam com grande competência a administração de suas propriedades, trabalhos na indústria e administração de pequenos comércios, como as populares vendas, armazéns, mercearias.
Vila Neitzel e a formação da comunidade pomerana
Segundo informações de sua neta, Giselle Pereira Neitzel Klemz, seu avô, Henrique Neitzel nasceu em 1900, no Espírito Santo. Vivia em Santa Joana, na região dos Pontões. Era filho de Otto Neitzel e Guilhermina Neitzel. Antes de chegar á região de Itueta, era tropeiro. Com pouco mais de 20 anos e solteiro, acompanhado de um amigo, também tropeiro, deixou sua comunidade em busca de melhores condições de vida, terras férteis e com água em abundância. Chegou até a divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, atravessou o Rio Doce e chegou ao norte do que é hoje Itueta. Adquiriu uma grande propriedade na região e começou a formar sua fazenda. Antes da chegada de Henrique Neitzel à Itueta, já existiam várias comunidades de pomeranos e alemães, que vieram para a região na década anterior, 1910, oriundos do Espírito Santo e também, novas famílias que vieram da Alemanha durante e depois da Primeira Guerra Mundial.
Aos 23 anos, Neitzel conheceu Ana Romaes, moradora da comunidade do Córrego do Chapéu. Ana era natural do Espírito Santo e filha de Marcos e Maria Romaes. Nesta época, Ana tinha 20 anos de idade. Pouco tempo depois, em 9/11/1923, os dois se casaram e Ana passou a assinar o nome de Ana Neitzel. O casamento, oficializado no Cartório de Registro Civil de Aimorés MG, foi testemunhado por Alberto Ohnesorg e Guilherme Mutz. O casal teve filhos, filhas e netos.
Henrique Neitzel era empreendedor. Com muito esforço e com trabalho em família, fez sua fazenda crescer. Empregava várias funcionários e era um exímio e próspero comerciante, além de muito influente na região. Na fazenda tinha máquina de moer café com uma caldeira para tocar essa máquina, alambique, engenho de cana, gado de leite e corte e cultivo de lavouras diversas. Construiu na fazenda uma mercearia e uma botica. Comprava bois e porcos e os revendia. Comercializava sua produção em Itueta, nas comunidades pomeranas que ficavam nas proximidades de sua fazenda e em Aimorés. E ainda, vendia para quem fosse na sua propriedade comprar de sua produção, seja para uso próprio ou para revender.
Na propriedade tinha o casarão sede e as casas dos seus funcionários. Os filhos foram crescendo, se casando e com isso, construindo casas no entorno da casa grande.
Com isso, Neitzel começou a alimentar o sonho de formar uma vila em sua fazenda. Começou a lotear lotes de terra na propriedade a preço bem simbólico. Trocava lotes por móveis, animais ou mesmo, vendia os lotes fiado e bem baratos.
Cedeu terreno para a Prefeitura construir uma escola na fazenda, e também igreja. Após sua morte, sua esposa doou um terreno para a construção de um posto de saúde.
Seus filhos continuaram o sonho do pai. Mesmo sem a intenção de formar um distrito ou vila, lotearam terrenos na localidade para famílias de pomeranos e alemães que já viviam no local ou que continuavam a chegar, vindos do Espírito Santo. Não somente para imigrantes e migrantes, famílias de trabalhadores da Ferrovia Vitória Minas e de agricultores da região que vieram para Itueta em busca de trabalho, adquiriram lotes e se fixaram vila, devido sua boa estrutura. Os loteamentos foram aumentado, o número que moradores também. A comunidade pomerana nos córregos e povoados em redor, dependiam da estrutura da Vila Neitzel que contava com comércio, farmácia, escola e posto de saúde. Era a maior das comunidades do Norte de Itueta.
Em 1979, a Vila Neitzel e as comunidades e povoados em seu entorno, se tornou distrito de Itueta, por lei, aprovada pela Câmara Municipal e oficializada pelo prefeito, na época, Rúdio Pieper, que também era pomerano. Todas as comunidades nas proximidades da Vila Neitzel, passaram a fazer parte do distrito criado, como seus subdistritos, formando com isso um só distrito, com o nome de Distrito Vila Neitzel.
Ao todo, são 2 mil moradores no distrito Vila Neitzel, juntando a vila sede, Vila Neitzel e todas as comunidades em seu entorno. A maior parte da comunidade de descendentes de alemães e pomeranos estão nos povoados e sítios nas proximidades dos córregos que formam o distrito.
Na vila sede, a Neitzel, tem descendentes de pomeranos, alemães e de famílias que vieram da região ou de outras localidades mineiras e até de outros estados para viverem e trabalharem no município.