Um país pegando fogo
Publicado em 25/02/2019 às 18:03
As chamas no museu, uma metáfora de um país pegando fogo. E eu, impotente, sem conseguir conter minha tristeza, assisto a esses dias incendiários, tentando, ao menos, não me chamuscar. Em vão: o ardor das paixões, em uma sociedade inflamada, está diretamente ligado à História que não se encobre de cinzas: se transforma nelas.
Numa época de teorias de conspiração, e tudo mais que pode virar lenha para fogueira, eu prefiro acreditar em um algo simples, como um curto circuito, por exemplo. Um prédio de duzentos anos, como o do Museu Nacional, está propenso a muitas coisas. Só não estava ao descaso. Obra do arquiteto inglês John Johnston sobre o casarão do comerciante português Elias Antônio Lopes a D. João VI, foi o imóvel símbolo de um país que se inventava, ainda com moldes europeus, buscando forjar uma identidade nacional.
Engana-se, porém, quem creu ser o Palácio da Quinta da Boa Vista um ícone monárquico, tão somente: ressignificado, ele se torna o maior museu de antropologia e história natural da América Latina. Documentos importantes, espécimes raras de plantas e animais e até Luzia, a primeira brasileira, arderam até que o nosso último pedaço de identidade desaparecesse. As ruínas do museu são, exatamente, aquilo que nos tornamos: um povo oco, sem substância, sem conteúdo.
O ministro falou em “viúvas”. Prefiro órfãos. Assim me sinto eu, que nunca entrei ali. De repente, a comoção nacional, fruto de um projeto que pensa até em suprimir o estudo da História dos currículos escolares. A quem isso serve? O tempo, no entanto, está cobrando seu preço, a facadas. O atentado a um polêmico presidenciável, de ideologia diametralmente oposta à minha, revela a platitude do discurso e a loucura da polarização. Um país mergulhado na violência física, verbal e simbólica mostra sua decadência civilizatória. E, tal como aconteceu com o Museu, não haver água para conter os ânimos de um povo que assiste, desesperançoso, ao fim da própria História.