Coluna Pomerana
Um casamento perfeito Pulteråwend (Polterabend) e Swartsuur (Schwarzsauer)
Publicado em 26/05/2020 às 17:25
Ao chegarem no local da festa, os recém-casados eram saudados com poemas de amor recitados em alemão. Normalmente a festa de casamento constumava acontecer na casa dos pais da noiva que era adaptada para receber os convidados. Nos quintais eram puxadas lonas, sobre as quais eram colocadas as mesas, onde se servia o jantar e as bebidas. O salão da sociedade (Schützenverein), frequentemente também era utilizado para a realização dessas festas.
Após os cumprimentos e felicitações, tinha início o banquete. Em algumas localidades, a recepção do casamento tinha início nos fins de tarde, após a cerimônia religiosa, com direito a banquete, baile “varando” a madrugada e café da manhã. Após o banquete servido e antes de o baile começar, os músicos se dirigiam até a cozinha, para convidar as cozinheiras para o salão de festas. Esse logo era invadido pelas mesmas, as quais, enfileiradas e munidas de panelas e garfos, em um momento engraçado e divertido, dançavam e cantavam ao som da banda. Esse tipo de ritual era a Küchenmarsch, comum apenas no interior, embora sua frequência fosse muito irregular. A primeira valsa era dos noivos, seguida pela dos padrinhos, parentes e, por fim, de todos os convidados. O repertório eram as valsas e as marchas alemãs.
Lá pela meia noite os noivos se preparavam para uma dança especial, a Kranzabtanz, ou seja, a dança de retirada da coroa. No momento, duas cadeiras eram colocadas em meio à pista de dança para os noivos. Quando sentados, duas pessoas retiravam do noivo o enfeite da lapela do terno e da noiva a coroa de flores com o véu. Após, dançavam uma música e se retiravam para a troca da indumentária de casamento. Ao retornarem, o baile continuava.
Ao se aproximar do café da manhã, uma parada dos músicos anunciava uma outra tradição. O irmão ou irmã mais velhos dos noivos não casados, eram levados ao forno a lenha existente na casa, ou na sociedade onde acontecia a festa, e na presença de todos os convidados, ao som da banda, a pessoa era postada sobre o forno. Assim, o noivo ou noiva enfeitava o rosto do parente com cinzas e carvão, brincadeira que lembrava a “vítima”, do seu compromisso, de igualmente se casar, o que resultava em comentários debochados dos presentes.”
Esse robusto relato de Clarice demonstra a relevância do Polterabend/Pulteråwend e do costume da Schwarzsauer/Swartsuur nos casamentos de Pomerode e região. Interessante complementar que a retirada da lapela do noivo e a coroa de flores da noiva (Kranzabtanz), eram os elementos colocados na “caixa dos noivos” (Hochzeitskiste), e depois selada, podendo ser aberta somente quando um dos noivos ficasse viúvo.
Também da antiga Pomerânia vem o relato da tradição da Schwarzsauer (igualmente comum no norte da Alemanha). No documentário “Als der Osten noch Heimat War 1v3 Pommern”, Inge Thormeyer (nascida von Xylander na Pomerânia) destaca que havia o hábito de todo ano se tirar um dia para fazer o abate de gansos. As senhoras da vila se reuniam geralmente em novembro (antes do início do inverno no hemisfério norte) para realizar esse trabalho e o sangue das aves era utilizado para fazer a sopa. No mesmo documentário Rudi Nemitz lembra da sua infância na Pomerânia e, consequentemente, das deliciosas refeições que incluíam a Schwarzsauer/Swartsuur.
Editha von Platen (nascida von Uckermann na Pomerânia) relata em detalhes que, quando ocorria o abate das aves, o sangue era colhido num recipiente com vinagre, preservando-o. Ela destaca que deliciosos bolinhos eram feitos com farinha e o sangue das aves. Além do sangue ser usado para a tradicional sopa, ainda tinha outros destinos na culinária Pomerana. Além do sangue das aves, o sangue dos suínos também era utilizado em toda a Prússia. Aliás era muito comum que a sopa fosse feita nos dias de abate. Aproveitava-se assim, o sangue fresco do porco não utilizados na produção de linguiça.
Particularmente, na região da Pomerânia, era mais comum utilizar-se o sangue de ganso ou marreco, tanto que também é denominada de Gänseschwarzsauer (gabidela de ganso) ou Entenschwarzsauer (gabidela de marreco). Inclusive na sopa eram colocados os pés das aves, enrolados com tripas de ganso limpas. É preciso lembrar que os alimentos como um todo não eram abundantes e tudo precisava ser aproveitado. Em Pomerode e boa parte das famílias do interior do Vale do Itajaí, o sangue das aves era o mais utilizado para a Schwarzsauer/Swartsuur e de forma muito tradicional preparada na noite do quebra caco. A essa espécie de sopa, além do sangue, eram adicionados os miúdos das aves, pescoço, asas e pés. Geralmente era servida com aipim/mandioca frita com bacon. No abate das aves, no dia que antecedia o casamento eram obtidos muitos desses ingredientes para essa iguaria, daí a conveniência desse prato tradicionalmente ser servido na noite do Polterabend/Pulteråwend.
A origem do nome “SchwarzSauer”, certamente se deve à cor escura da sopa (Schwarz – escuro do sangue). Sauer tem relação com o fato de no ato de coletar o sangue se adicionasse vinagre e que faz com que o sangue coagule e vire uma espécie de queijo preto. Provém daí o “Sauer”, que em alemão significa “azedar”.
As festas de casamento com seus rituais nos remetem a costumes seculares. A união do Polterabend/Pulteråwend com a tradicional culinária representada pela Schwarzsauer/Swartsuur pode sim, ser denominada como “um casamento perfeito”, pois, após séculos continuam presentes na nossa cultura e na memória de muitos descendentes.