Coluna Diversidade
Transformando a Percepção sobre Pessoas com Deficiência
Publicado em 02/01/2025 às 09:13
Mudar a forma como uma nação enxerga e convive com as pessoas com deficiência é um desafio coletivo, que exige a união de governos, empresas, escolas, famílias e cidadãos.
Fonte: Canva
Construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva vai além de mudanças estruturais; requer uma transformação profunda que combine empatia, visão estratégica e o comprometimento genuíno das lideranças políticas. Somente assim será possível implementar políticas públicas eficazes e sensíveis, capazes de gerar mudanças reais e duradouras na vida das pessoas.
Transformar a percepção e o comportamento de uma nação em relação às pessoas com deficiência exige um compromisso coletivo, determinado e contínuo. Essa mudança não ocorre da noite para o dia. É um processo profundo e multifacetado que demanda esforços consistentes em educação, legislação, comunicação e, principalmente, na desconstrução de estigmas que a história nos legou. Somente com conscientização individual e coletiva será possível criar um ambiente verdadeiramente inclusivo, onde a dignidade e o potencial de cada pessoa sejam plenamente reconhecidos.
A primeira etapa dessa transformação é encarar a realidade histórica: pessoas com deficiência foram marginalizadas, subestimadas e tratadas como incapazes ao longo dos séculos. Essa visão distorcida, alimentada por preconceitos, criou barreiras que ainda hoje dificultam sua plena participação na sociedade. Mudar essa narrativa exige educação, e essa mudança deve começar cedo, nas escolas. As crianças precisam crescer em ambientes onde a diversidade seja celebrada e as diferenças sejam vistas como uma riqueza, não como barreiras. Quando promovemos a inclusão escolar – não como um favor, mas como um direito –, estamos plantando as sementes para uma sociedade que valoriza o indivíduo em sua totalidade. Imagine se as escolas fossem equipadas com totens interativos nos corredores, para uso durante os intervalos. Esses dispositivos poderiam engajar as crianças de forma lúdica e divertida, ensinando sobre a Lei Brasileira de Inclusão, as deficiências, o capacitismo, o preconceito e a autonomia das pessoas com deficiência. Desde cedo, estaríamos plantando as sementes de uma cultura inclusiva e cidadã. Esses totens não apenas educariam as crianças de maneira criativa e envolvente, mas também possibilitariam que elas levassem esse aprendizado para suas famílias. Assim, poderiam transmitir ensinamentos que talvez seus pais nunca tiveram a chance de receber, ampliando o impacto transformador para além dos muros da escola. Essa abordagem seria um passo poderoso na construção de uma sociedade onde o respeito e a empatia se tornam parte natural do comportamento cotidiano.
Educar é o alicerce, mas não é suficiente por si só. A legislação precisa ser um pilar igualmente forte nesse processo. Leis que assegurem direitos, acessibilidade e oportunidades para pessoas com deficiência são cruciais, mas sua eficácia depende de algo mais: aplicação rigorosa e fiscalização efetiva. Além disso, a sociedade precisa conhecer e se apropriar dessas leis para garantir que sejam cumpridas. Direitos apenas no papel não transformam realidades; é a prática que promove igualdade.
Outro aspecto indispensável para essa transformação é a visibilidade. A ausência de pessoas com deficiência nos espaços públicos e nos meios de comunicação perpetua a ideia equivocada de que elas não fazem parte ativa da sociedade. Inverter essa lógica requer mostrar essas pessoas em papéis de destaque, como líderes, artistas, atletas e profissionais. Campanhas de conscientização que celebrem suas histórias, talentos e contribuições são ferramentas poderosas para desmantelar preconceitos. Quando vemos o potencial dessas pessoas, mudamos nossa forma de pensar, e com isso, mudamos o mundo.
A comunicação, aliás, é um instrumento estratégico nesse processo. Eu sou a terceira geração de uma família dedicada à comunicação. Meu avô, com sua rádio ZYL9, a Rádio Cachoeiro AM, em Cachoeiro de Itapemirim, abriu portas para talentos como Roberto Carlos, o rei da música popular brasileira, que começou sua carreira cantando lá. Esse legado me enche de orgulho. Mas, quando falo de comunicação, não me limito a rádio e televisão. Falo de algo maior: de usarmos todas as ferramentas disponíveis para transformar a sociedade. Imagine se os ônibus do Transcol fossem transformados em veículos de conscientização. Imagine-os totalmente plotados com imagens de crianças, jovens, adultos e idosos com deficiência, acompanhadas de mensagens marcantes e educativas sobre a lei brasileira de inclusão, as deficiências, capacitismo, respeito, autonomia e inclusão. Esses ônibus, que cruzam cidades diariamente, poderiam se tornar verdadeiros instrumentos de educação, impactando milhares de pessoas no seu trajeto.
E por que parar por aí? Dentro desses ônibus, poderíamos ter monitores exibindo conteúdos educativos. Enquanto trabalhadores, estudantes ou qualquer pessoa utiliza o transporte público, essas telas poderiam transmitir mensagens informativas, histórias inspiradoras e conteúdos que ensinem sobre a realidade das pessoas com deficiência. Os ônibus deixariam de ser apenas um meio de transporte e se tornariam ambientes educativos em movimento. Agora pense nos pontos de ônibus, especialmente os mais movimentados. E se fossem equipados com painéis de LED que transmitissem essas mesmas mensagens? Esses espaços, que muitas vezes são apenas locais de espera, poderiam ser transformados em plataformas de aprendizado, onde a informação alcançasse as pessoas de forma direta e envolvente.
E indo além da comunicação: e se os motoristas e funcionários do transporte público fossem devidamente treinados para lidar com a diversidade humana, preparados para acolher e atender pessoas com deficiência com respeito, empatia e competência? Isso não apenas qualificaria o serviço, mas enviaria uma mensagem poderosa de inclusão e cuidado.
As possibilidades não param por aí. Nas escolas, já mencionei a ideia de totens interativos que educam crianças sobre inclusão e respeito de forma lúdica. Imagine integrar todas essas ferramentas – ônibus plotados, telas nos transportes, painéis nos pontos de ônibus, totens nas escolas e tantas outras que a criatividade permitir desenvolver – para criar uma rede de comunicação integrada, capaz de alcançar tanto crianças quanto adultos, sendo capaz de educar, inspirar e transformar profundamente a forma como as pessoas compreendem e valorizam a diversidade em todos os aspectos do dia a dia. Com criatividade, estratégia e vontade, podemos fazer a informação alcançar o coração e o entendimento das pessoas. A mudança que precisamos é urgente, e ela começa com ações como essas – ações que não só educam, mas transformam.
Um exemplo notável do impacto transformador da comunicação foi a mudança cultural na relação da sociedade com o tabaco. Durante décadas, campanhas educativas e de conscientização foram fundamentais para desmistificar a glamourização do cigarro e expor os perigos do tabagismo. Por que não aplicar a mesma força e intensidade para desconstruir preconceitos em relação às pessoas com deficiência?
Outro ponto central é a linguagem. As palavras moldam a forma como enxergamos o mundo. Termos pejorativos ou infantilizantes reforçam preconceitos, enquanto uma linguagem inclusiva e respeitosa transforma mentalidades. Ao reconhecermos a pessoa antes da deficiência, reforçamos sua individualidade, dignidade e potencial. Esse é um gesto simples, mas de profundo impacto cultural. Lembre-se: A terminologia correta é “pessoa com deficiência”, e seu uso vai além de uma questão linguística: é um reconhecimento da dignidade e dos direitos das pessoas. Essa nomenclatura está alinhada à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, ratificada pelo Brasil com status de emenda constitucional, e reflete uma mudança de perspectiva. O termo valoriza o indivíduo em sua totalidade, colocando a pessoa antes da deficiência, reforçando que ela não é definida exclusivamente por essa característica. Além disso, elimina termos pejorativos, reducionistas ou antiquados, que historicamente contribuíram para o estigma e a exclusão.
Por fim, a convivência é o catalisador mais poderoso dessa transformação. O contato direto humaniza e desconstrói preconceitos de forma única. Quando convivemos com pessoas com deficiência, compreendemos que suas vidas são tão plenas de desafios, habilidades e sonhos quanto as de qualquer outro. Essa experiência prática nos ensina mais sobre inclusão do que qualquer teoria.
Infelizmente, um dos grandes obstáculos para implementar tantas iniciativas que poderiam transformar nossa sociedade em um ambiente mais inclusivo e acolhedor está na classe política. As pessoas no poder, aquelas com a real capacidade de mobilizar recursos e implementar políticas públicas transformadoras, são, como grande parte da sociedade, as que mais urgentemente precisam passar por uma profunda mudança de mentalidade, cultura e comportamento. Sem essa transformação, é impossível que lideranças compreendam verdadeiramente as necessidades da sociedade ou ajam com a empatia e a sensibilidade necessárias para promover mudanças significativas e duradouras. Essa renovação de visão não é apenas desejável – é essencial para que políticas públicas sejam mais do que soluções pontuais, tornando-se instrumentos genuínos de inclusão e progresso. A classe política precisa não apenas enxergar, mas sentir, compreender e se conectar com as realidades e desafios das pessoas com deficiência. Isso requer uma transformação pessoal que lhes permita reconhecer a profundidade do esforço, da dedicação e do foco necessários para que ferramentas e políticas públicas sejam não apenas criadas, mas implementadas com eficácia.
Mudar a forma como uma nação enxerga e convive com as pessoas com deficiência é um desafio coletivo, que exige a união de governos, empresas, escolas, famílias e cidadãos. É hora de superar o modelo que enxerga a deficiência como algo a ser “superado” ou “consertado” e abraçar a diversidade como um valor inegociável da nossa sociedade.
Uma sociedade verdadeiramente inclusiva vai além de simplesmente remover barreiras físicas ou sociais. Ela reconhece as pessoas com deficiência como parte essencial de sua riqueza, força e identidade coletiva, valorizando suas contribuições em todos os aspectos da vida. Essa não é apenas uma questão de justiça, mas de progresso humano. O momento de agir não é amanhã ou depois – é agora. Cada dia de inércia perpetua exclusões que não podemos mais aceitar.