Substância encontrada em árvore em Afonso Cláudio pode curar doenças
Publicado em 25/06/2017 às 11:18
Uma planta muito comum na Região Serrana do Estado, que possui uma ligação forte com uma família da localidade de Rio da Cobra, em Afonso Cláudio, vem ganhando reconhecimento mundial por conta do grande potencial em reduzir formação de placas de gordura em vasos sanguíneos. Essa é a Virola oleifera, conhecida no popular como bicuíba.
A planta, que é muito comum na propriedade da família Côco, tem uma passagem marcante com o pai do ex-morador da região, Fábio Côco. “Meu pai, ainda na adolescência, fez a extração de um dente e acabou tendo uma hemorragia, na qual ele perdeu muito sangue, e por ser uma época muito chuvosa, não tinha como se deslocar até a cidade. Após dois ou três dias perdendo muito sangue, meu avô foi até a mata e retirou o extrato da planta e colocou no local onde foi retirado o dente e isso estancou a hemorragia, o que prova que planta tem realmente um potencial”, conta Fábio.
O pai de Fábio, Antônio Fernandes Côco, hoje com 49 anos, lembra de toda a situação, em que o avô de Fábio, Acindo Côco, teve que passar para conseguir extrair líquido da árvore. “Eu me recordo que tive um dente extraído e não sabia que havia tido hemorragia. Quando cheguei em casa, eu estava muito mal e foi aí que meu pai foi na mata e retirou o que ele chamava de ‘sangue da bicuíba’ e isso cortou a hemorragia”, lembra Antônio.
Fábio, que é formado em Farmácia na Universidade Vila Velha (UVV), em 2011, resolveu estudar a bicuíba em seu trabalho de conclusão de curso, popularmente conhecido como TCC. “Sempre me identifiquei muito com a planta e, na época, eu queria fazer um trabalho voltado para isso. Como eu já tinha escutado na cidade sobre essa propriedade da planta, eu resolvi estudar sobre isso. Foi quando eu procurei a professora Denise, que foi minha orientadora e era graduada na área de botânica, e propus a ela fazer esse estudo a partir do conhecimento popular sobre a árvore”, conta.
RECONHECIMENTO – O estudo da planta que foi catalogada por Fábio, no orquidário da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), teve um caráter básico e serviu de ponte para o início das pesquisas dentro da UVV, com alunos e professores do curso de Farmácia
O primeiro passo, como conta o professor Thiago de Melo, que faz parte do Laboratório de Fisiologia de Farmacologia Translacional da UVV, foi verificar se realmente a planta era eficaz na cura de lesões. “A gente procurou na literatura e viu que realmente a planta teria esses relatos isolados, mas que ninguém havia testado experimentalmente se ela realmente tinha essas ações”, conta o professor.
Toda essa primeira etapa da pesquisa foi voltada para a área da ciência chamada de etnofarmacologia, que é responsável por comprovar, ou não, se a planta, encontrada em Afonso Cláudio, teria essa propriedade relatada pelos moradores.
O estudo foi realizado por meio de uma parceria entre os pesquisadores da UVV, com professores e alunos do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e da Ufes. “A Virola chamou a atenção porque ela tem essa propriedade. Primeiro a gente analisou o efeito oxidante de combate a radicais livres, e a partir dessa propriedade, continuamos a avaliação aqui na universidade”, lembra o professor.
COMPROVAÇÃO – Após a confirmação da eficácia da planta, o trabalho seguiu para a análise de campo. Os pesquisadores foram até a propriedade da família Côco, em Afonso Cláudio, onde colheram, do tronco da árvore, uma resina de cor vermelha. Esse material líquido foi levado para a universidade para ser colocado em uma estufa, a 40 graus, para sofrer um processo de secagem, no qual houve uma nova descoberta.
“Após todo processo de retirada e da passagem pela estufa, ela foi pulverizada e colocada em mistura com água, na qual ela se apresentou solúvel, o que é outra vantagem, porque não é comum que as resinas sejam solúveis em água, porque elas são mais solúveis em óleo. A partir disso, nós administramos nos animais”, lembra Thiago.
A próxima etapa da pesquisa foi aplicar essa substância em camundongos, que foram submetidos a uma dieta rica em gordura, como da sociedade atual, que sofre com essa doença que apresenta um grande índice de mortes, só perdendo para o câncer e para a aterosclerose. O resultado final apresentou uma redução de placas de gordura e dos danos no fígado.
PRESERVAÇÃO – A Virola oleifera é muito comum na Mata Atlântica, sendo muito presente no Espírito Santo, como também no sul da Bahia, na zona da mata mineira e na Amazônia. Devido à extração de sua madeira, por ser de fácil corte e bem reta, ela vem sendo alvo da área extrativista e sofre com a ameaça de extinção.
O professor, Thiago de Melo, comenta que o projeto também objetiva não danificar a planta. “Nossa proposta é de utilizar apenas a resina, sem derrubar a árvore, o que é bem legal, porque nós queremos usar como se fosse um látex da seringueira, onde se rasga o caule e ela vai ‘chorando’ aquele líquido sobre um plástico”, conta.
Reconhecimento internacional com uma nova descoberta
No último mês de maio, a bicuíba foi tema de artigo de mestrado, de uma aluna do curso de Farmácia da UVV, e ganhou as páginas de uma revista científica irlandesa, a Journal of Ethnopharmacology.
Paola Nogueira, que também faz parte da equipe que vem pesquisando as propriedades da Virola, fala sobre a tese de mestrado que ela desenvolveu falando sobre o potencial da planta. “Desenvolvi um texto para o meu mestrado sobre ‘Fisiopatologia de doenças humanas e animais’, e junto com toda equipe de pesquisadores, publicamos um artigo sobre a planta em uma revista da Irlanda. A bicuíba tem um grande potencial para se tornar um medicamento, por ter uma mistura de componentes, com várias substâncias e ações antioxidantes e anti-inflamatórias. Ela tem um potencial muito grande”, conta Paola.
Essa última descoberta foi a que mais impressionou a equipe de pesquisadores, que começou a trabalhar com outros modelos de lesões. “Estudamos essa planta para outros modelos que desenvolviam lesões diferentes, como lesões renais e no estômago, e essa última foi a mais surpreendente, porque ela consegue impedir os vasos sanguíneos de formar placas a partir do uso da resina, ainda que nos animais que testamos o colesterol estava elevado”, ressalta o professor Thiago.
A redução de 50% nas placas de gordura dos animais gerou a expectativa de que, em um futuro bem próximo, com incentivo da indústria ou de alguma entidade que queira pesquisar mais sobre a Virola, a substância possa ser utilizada em humanos para ser um coadjuvante no tratamento já convencional.
O projeto deve avançar com a aplicação em animais de maior porte, como porcos e, no futuro, ser testado em humanos, e para tanto se faz necessário um maior incentivo, como explica o professor. “A pesquisa ainda não recebeu nenhum incentivo de empresas e entidades. Além de expandir a pesquisa, com experimentações em animais maiores, como porcos, e futuramente em humanos, queremos aprimorar as resposta que foram obtidas com a Virola, e ver outras funções que ela possa ter. Vamos utilizar em outros modelos, com o de AVC e para hipertensão”, informou o professor.
REFERÊNCIA – Thiago comenta que Afonso Cláudio é um município que tem como base econômica a agricultura. Segundo ele, uma descoberta desse porte pode trazer um novo contexto e maiores incentivos para a pesquisa com a resina trazendo impactos positivos para a região e, consequentemente, para o Estado.
“Esse é o nosso alvo com a pesquisa, no qual queremos incentivar para tornar o Espírito Santo uma região potencial para o Brasil inteiro. O nosso Estado é um mini-Brasil, onde você tem dunas, praias, Mata Atlântica, com uma biodiversidade enorme. A gente está com o ouro escondido e não sabemos”, acredita.
MEDICAMENTO – Sobre a ideia de transformar os efeitos da Virola em um medicamento, a equipe de pesquisa ainda não tem essa preocupação, como apontou Thiago. “Ainda não é a nossa preocupação agora, mas nós temos a prioridade para ser produzido como um medicamento fitoterápico, no futuro. Isso depende de várias vontades e parcerias com o setor industrial e com a área da botânica, por que tem que plantar mais espécies dessa árvore, e retirar essa espécie de extinção. A nossa função aqui como pesquisador é identificar se tem ou não resposta”, ressalta Thiago.