Coluna Pomerana
PÁSCOA: ASPECTOS CULTURAIS POMERANOS
Publicado em 06/04/2022 às 15:59
Parte II
Se tem um período que nos faz lembrar da infância, certamente é a Páscoa. O clima começa a ficar mais ameno e o orvalho se torna cada vez mais presente no amanhecer. Quem não lembra de como era procurar as cestas com os ovos nos jardins, ou acordar e sair correndo para verificar o que o coelho deixou nos ninhos espalhados ao redor da casa? Quase impossível não nos remetermos à infância, lembrar das pinturas nas casquinhas de ovos que muitas vezes secavam “numa tábua cheia de pregos”, ou em “galhos secos”, afinal as casquinhas de ovos recheadas com amendoim ou balinhas eram a alegria de todos. Os tradicionais stüppen (stibas), a crença da água pascal, a pintura de animais e a celebração da Santa Ceia que propagava uma sexta-feira Santa num absoluto silêncio, completam essa lista de lembranças recheadas de aspectos culturais Pomeranos da região do Vale Europeu.
Ao longo do tempo, esses aspectos culturais sofreram adaptações o que é um processo natural, quando discorremos sobre cultura. Vamos neste artigo abordar os principais costumes que os imigrantes Pomeranos e seus descendentes praticavam (alguns ainda praticam hoje em dia) no Vale do Itajaí. A
religião exerce papel determinante e na maioria das vezes é o fio condutor desse processo, a partir da
quaresma, por exemplo, não se realizam mais bailes, casamentos, ou qualquer outra festa, a maioria respeitava essa época que antecedia a páscoa. Semanas antes da páscoa, a família toda trabalhava muito, antecipavam alguns serviços, para que, durante a páscoa tudo estivesse pronto e organizado, como as tarefas na roça/ colheita, a limpeza e arrumação dos ranchos, da casa e do jardim, “tudo tinha que estar em ordem” para que durante a páscoa pudessem descansar e refletir sobre a crucificação e ressurreição de Cristo. Outra tradição era o “Osterfeuer” (fogo Pascal). Antigamente a limpeza da Páscoa começava no pátio das igrejas, onde os fiéis juntavam restos de madeira, galhos e as ramagens secas que sobravam do Domingo de Ramos, para a grande fogueira que era acendida no pátio das igrejas na noite de sábado que antecipava a páscoa, onde era celebrado o culto.
Colorir os ovos também faz parte da tradição Pomerana há muito tempo. Eram pintados pelos imigrantes e descendentes de uma forma bem peculiar, colocavam-se os ovos para ferver e se adicionava uma planta com uma espécie de raiz avermelhada (eierkraut) e, consequentemente, os ovos ficavam com tons vermelhos. A cebola roxa eventualmente também era utilizada para a coloração. Essa mesma água era utilizada para pintar os animais e com isso se dizia para as crianças que o coelho já havia passado nos ranchos, e os pais ainda ressaltavam: “se vocês não ajudarem nas tarefas o coelho não vai trazer nada”.
Não podemos deixar de falar sobre uma tradição que ainda é praticada hoje em dia. Trata-se da serenata de páscoa, mais conhecida como stüppen (stipas). Um grupo de pessoas que contemplam instrumentistas começam, a partir da meia noite de sábado para domingo de páscoa, uma procissão de casa em casa, acordando as famílias para celebrar e anunciar a ressurreição de Cristo, um costume que vem desde os tempos da colonização (Fig 3). São tocadas três músicas, uma para acordar as pessoas da casa, a segunda para elas se levantarem e a terceira para atender os Stibas. Durante a visita dos stibas, a família oferece comida e bebida para os músicos, e no final oferecem algum dinheiro, para que mais uma música seja tocada.
Outra tradição curiosa era a água de páscoa, denominada de osterwasser. Exerceu forte crença de que poderia trazer beleza, saúde e um bom casamento. A água deveria ser coletada numa fonte por moças
solteiras antes do nascer do sol. Nesse ritual, elas não poderiam ser surpreendidas pelos rapazes, nem
olhar para trás, caso contrário a água perderia seu valor. De uma forma geral para as pessoas a água era considerada sagrada, sendo mantida numa garrafa e usada ao longo do ano como remédio. O interessante relato do Pomerano Sr. Roland Ehlert no livro 500 anos de Pomerode, nos propicia uma volta ao passado e traz detalhes sobre essa antiga tradição em Pomerode, ele a classifica como uma superstição que vivenciou na sua infância. Sr. Ehlert relata: “…isso consistia em acordar bem cedo na
manhã da Páscoa, meu pai juntava de manhã bem cedo uns galhinhos de planta e amarrava formando uma espécie de vassourinha. Mas antes disso ele buscava a Osterwasser (água de Páscoa). Essa água tinha que ser recolhida antes do sol nascer, numa fonte/nascente (quelle), o meu pai pegava do outro lado da rua, pois lá tinha uma fonte. A água era retirada em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Então, isso se transformava numa água santa. Os antigos botavam essa água num grande garrafão para ter o ano inteiro. Eles diziam que essa água nunca estragava, porque era Osterwasser. Quando alguém passava mal e não se sentia bem, diziam para tomar aquela água. Era usada para curar dor de dente, dor de barriga, ou para tomar de vez em quando para ter boa saúde.
Meu pai aprendeu isso com os pais dele e queria passar isso para a gente. Essa água ele jogava numa bacia, embebia a vassourinha e respingava na gente na cama. Assim ele nos acordava no domingo de Páscoa. Era um Stüpen diferente, não com música, diz lembrando e reproduzindo em língua pomerana (platt) as reclamações da mãe, que era a primeira a ser acordada com a água de Páscoa. Roland lembra que o pai ria, enquanto a mãe disparava xingamentos. Eu esperava por isso. Logo ele chegava até a minha cama. Eu fazia de conta que estava dormindo. Depois ele me molhava todo meu rosto com água. Assim ele acordava todos os filhos, dizendo: – “Lá fora, tem água de Páscoa, vocês podem usar para lavar o rosto e também podem tomar um gole disso; essa é a Osterwasser”. Essa era a tradição em
nossa casa, com a água pascal.
Atualmente na cidade de Pomerode ainda podemos observar nas famílias alguns aspectos culturais relacionados à Páscoa trazidos pelos imigrantes, como a prática da pintura dos ovos que com o advento da tecnologia é realizada com tintas industrializadas, bem como, a serenata de páscoa (stüppen) que ocorre anualmente em quase todos os cantos da cidade.
1566 anos mais tarde …
José Carlos Heinemann
A tribo germânica dos ruguérios é designada por muitos historiadores alemães, como um grupo guerreiro, de estatura alta, olhos azuis e tinham um bom comércio com mercadores romanos. Em suas relações comerciais, constavam a venda de escravos, âmbar (Bernstein) e peles de animais em troca de alimentos. No interior da Pomerânia no século I, constava a leste do rio Oder (Odra), em direção ao
povoado de Arnswalde (Choszczno)1 ao sul da Pomerânia, em menor número, o povo denominado dos Lemovérios, também de origem germânica. Porém dessa civilização pouco se sabe. Era um povo guerreiro e seus escudos de proteção em combate eram arredondados.
Em 456, homens fortes e guerreiros desses dois grupos germânicos (ruguérios e lemovérios) deixaram as terras da costa Báltica e se juntaram ao exército de Teodorico, o Grande, rei dos góticos orientais que tinha seu reinado em Ravena (Itália). Os idosos, crianças, mulheres e aqueles que não quiseram lutar sob a guarda do rei dos góticos orientais, Teodorico, o Grande2, ficaram nas terras da costa Báltica e interior. A participação de estrangeiros nas terras pomeranas foi constante ao longo dos séculos da sua história, ocasionando uma miscigenação com os povos ruguérios e lemovérios de origem germânica e que constam como os primeiros habitantes das terras da costa do mar Báltico.
Povos estrangeiros que nos períodos dos séculos V até o século XVIII, afluíram a essa região3, pelos mais diversos motivos: assentamentos, migrações, questões religiosas, constituição de novos ducados, guerras e comércio.
No Início do século V, chegam a Pomerânia os grupos eslavos vindos das Ucrânia. Com o decorrer dos anos se misturam e a partir de 800 essas terras possuem o nome de Pormo Ju que significa habitantes da longa costa do mar. Os grupos dos povos eslavos era um povo nômade, comerciantes e trouxeram consigo o manejo com a criação de ovelha, da espécie merino. A paisagem robusta da Pomerânia foi favorável a criação de uma raça muito antiga de animais domésticos, mas desapareceu quase completamente de cena, em razão da substituição por outra espécie denominada de Rouwollige Pomeranian que são mais adequadas para a agricultura industrial e fornecem mais carne para o consumo. Essa nova espécie produz as melhores fibras para produtos de lãs de alta qualidade. Aos poucos essa outra espécie de ovelhas adaptou-se à região pomerana e atualmente grandes rebanhos podemos constatar na região de Mönchgut, na Ilha de Rügen.
A costa Báltica para os eslavos foi muito interessante, pois o acesso ao mar Báltico os levava a outras regiões com países vizinhos aonde pudessem com o tempo implantar uma boa negociação de produtos locais. Para alguns historiadores alemães, os eslavos eram considerados povos nômades onde muitas famílias entre eles eram pastores de ovelhas e que trouxeram essa experiência para Pomerânia. Também trouxeram novos negócios, sua língua e costumes.
Tácito escreveu em seu livro “Germania” sobre os povos da região Báltica e citou o grupo humano germânico dos Nuitonen estavam protegidos entre as matas e rios e adoravam o Nerthus, a Mãe Terra. A divindade Nerthus ou Hertha era considerada a deusa da terra e da fertilidade. Tácito descreve Nerthus como gênero neutro “Terra Mater” (Mãe Terra). Provavelmente na primavera esse povo realizava a festa de Umfahrt que significava que a divindade na terra era a responsável pela colheita. Na tese de doutorado em Filosofia do pesquisador Paolo Andreocci5 há a menção de uma tribo germânica pequena dos Nuitonen (tribo também chamada de Nerthusvölker por causa de seu culto) que no século I a.C. já vivia no norte da Pomerânia entre os povoados de Stralsund e Barth. Seus alimentos eram a caça de mamutes, raízes de árvores e do mar Báltico se alimentavam do salmão, focas, peixes e crustáceos.
Passados todos estes anos os moradores ucranianos por causa da guerra (Rússia contra Ucrânia) que começou em 24 de fevereiro, nesta sexta-feira dia 11 de março, chegaram em Regenwalde (antiga cidade da Pomerânia), hoje cidade polonesa, com o nome de Resko. Outras famílias atingiram a antiga cidade de Stettin (Szczecin), poucos dias depois, em 14 de março. Depois de 1566 anos fazem o mesmo caminho, sem bagagem com poucos pertences seguem na mesma direção dos primeiros migrantes, só que desta vez fugidos e não como na antiga migração lenta. Deixam para trás um rastro de sangue e começam a pensar numa nossa vida, nas antigas terras pomeranas, como a 1566 anos atrás.
1 N.A .Dois terços que eram terras pomeranas a partir de agosto de 1945, depois da Segunda Guerra Mundial pertencem a Polônia e o governo polonês mudou o nome de todas as cidades que lhe pertence e que estão entre-parentes..
2 Scheneider, Karl. Este foi o último trabalho em vida (1985) do colega e religioso Schneider, morador de Domingos Martins/ES que debruçou sobre este tema durande 9 meses. Seus escritos com sua letra cursiva foram doados a Casa de Cultura de Domingos Martins./ES.
3 HERBERS, Klaus, Nikolas Jaspert (Hg.). Grernzräume und Grenzüberschreitungen im Vergleich. Der Osten und der Westen des mittelalterlichen Lateineuropa. Europa im Mittilalter. Band 7. Akademie Verlag GmbH. Berlin. 2007. Seite 77-82.