Coluna Pomerana
Os rituais de morte na Pomerânia e suas influências nos descendentes no Brasil
Publicado em 26/10/2020 às 19:13
No início da jornada marítima para o Brasil, vários imigrantes tiveram que lidar com a morte de familiares. Um exemplo é do pequeno Paul Ehlert. Ele sofreu de enjoo e vômitos durante os mais de 60 dias de viagem. A única esperança dos pais de Paul era salvá-lo, logo após desembarcarem. Quando o navio ancorou no Rio de Janeiro, seguiriam num barco costeiro para Santa Catariana, mas antes, os pais de Paul decidiram procurar um médico para tentar salvá-lo. Paul foi medicado e melhorou, mas quando o barco seguiu viagem rumo a Florianópolis, o balanço do mar começou, e Paul voltou a piorar. Faleceu antes de chegar no destino, sendo enterrado em Florianópolis.
Ao ouvirmos estes relatos surge uma pergunta: como os pomeranos lidam com a morte? Para encontrar a resposta o pesquisador Helmar R. Rölke, em seu livro Descobrindo Raízes, descreve os costumes em torno deste assunto, praticados na Pomerânia.
A morte é o aspecto no qual a crença popular dos “Wenden” (antepassados eslavos dos pomeranos) está presente de forma intensa. Por este motivo surgiram muitas crenças em torno do tema MORTE. De acordo com Rölke, o pomerano não teme a morte, pois a vê como um caminho natural que cada ser deve trilhar. Para acalmar e facilitar a ida para o além, buscava-se o pastor para administrar a Ceia do Senhor ao moribundo. Na hora da morte, os familiares abriam todas as janelas, para que a alma pudesse seguir sem sobressaltos para o céu. Em seguida, um dos familiares fazia uma oração que podia ser lida de um livro de orações, ou ser feita de forma livre. Cantava-se em conjunto um hino do hinário. Após oração e canto, os olhos do morto tinham que ser fechados, pois em quem caísse o seu olhar, este seria o próximo a acompanhá-lo na morte. A boca do falecido também tinha que ser fechada para que não pudesse chamar ninguém para acompanhá-lo. Segundo Rölke, quando falecia o dono da propriedade, todos os animais e árvores em torno da casa eram avisados da morte. Animais que estavam deitados, quando se estava comunicando a morte, tinham que se levantar e as árvores eram balançadas, pois se não fizesse isso, também animais e plantas iriam acompanhar o patrão no longo sono. Logo após a morte, se fazia necessário parar os relógios e cobrir todos os espelhos. O relógio parado, para simbolizar que mais um relógio da vida tinha deixado de funcionar. O espelho era visto como um instrumento de afago à vaidade humana, e como tal, instrumento do diabo. Cobrindo os espelhos, tirava-se todo o poder que o diabo ainda quisesse exercer sobre a alma do morto.
Depois de tomadas essas providências, entrava em função o pessoal que realizava o banho no defunto. Em muitas localidades este trabalho era assumido por uma mulher geralmente de mais idade. Após o banho, era importante o destino que se dava à água. Rölke afirma que a água jamais podia ser despejada num lugar onde alguém pudesse pisar, por isso, jogava-se esta água sobre arbustos, em buracos ou em cima de muros. Também não podia ser jogada perto dos currais, ou galinheiros, pois traria desgraça para os animais. A toalha usada para secar o defunto era colocada no fundo do caixão e a bacia usada para o banho era destruída.
Enquanto o morto era banhado e vestido para ser colocado no caixão, uma pessoa percorria toda a região. Ela ia de casa em casa, comunicando o falecimento, a hora do sepultamento e logo convidando para o “Gräwniskost,” a refeição, da qual todas as pessoas presentes participavam, após o sepultamento. Quem percorria a região avisando o falecimento é o “Gräwnisbirer”, que numa tradução ao pé da letra significa aquele que pede, que solicita para a sepultura, para o sepultamento. Durante a sua andança ele não cumprimentava ninguém e também não passava pela soleira da porta das casas, comunicava e convidava falando ou gritando da estrada ou do caminho onde se encontrava.
A sepultura, geralmente, era aberta no dia seguinte, após o falecimento, entre 11:00 hs e 12:00 hs. Enquanto se cavava a sepultura, o sino da igreja tocava três vezes. Na primeira vez o sino tocava, quando se iniciava a escavação da sepultura. Na metade do trabalho o sino tocava pela segunda vez e, finalmente, pela terceira vez como sinal de que a sepultura estava pronta. Rolke afirma que outra modalidade era bater com o sino menor no início dos trabalhos, com o sino maior no meio e com os dois no final, quando tudo estava pronto. A população conhecia os sinais e o significado das batidas. Assim, compreendia exatamente o que estava acontecendo no cemitério a cada momento.
O defunto era vestido com uma mortalha branca de gola franzida e as mangas amarradas com fitas de cor lilás. Por vezes, usava-se também roupas de passeio e sapatos. Moças solteiras eram vestidas com roupas de casamento, recebiam véu, grinalda de murta e buquê de flores. Quando morriam crianças, eram colocados brinquedos no caixão para conseguirem sossego na eternidade. Pescadores recebiam redes para passarem seu tempo na eternidade, e, no momento de se colocar as redes no caixão, era lembrado que só se poderia abrir uma malha por anos, para que a rede durasse toda a eternidade. Quase todos os mortos levavam sua bíblia e o seu hinário para a sepultura. O hinário, por vezes, era colocado entre as mãos, para que no juízo final o falecido logo pudesse cantar louvores a Deus. Mas também objetos de uso diário eram colocados no caixão: a caixinha de rapé, navalha, pente, escova, sabão, toalha, entre outros.
Quando se tratava de pessoas ruins e perversas, elas eram calçadas com botas untadas com óleo de bacalhau e mandava-se pão e aguardente, para que não sofressem tanto os horrores do inferno. Finalmente o caixão era levado para a casa mortuária, geralmente construída dentro dos limites do cemitério. Ali o defunto era velado somente na última noite, pois na Europa, devido ao clima, o sepultamento não ocorria dentro de vinte e quatro horas.
O caixão era denominado de “Roogkaste”, o que poderia ser traduzido como “caixa do descanso.” Ele era feito com grossas tábuas de carvalho. Segundo Hubert Ehlert, quando ocorria uma morte repentina em Pomerode, o caixão tinha que ser feito às pressas. Trabalhava-se a noite toda para ficar pronto e em seguida ser pintado com uma tinta preta que tinha cheiro de creolina. Ainda na Pomerânia, na casa mortuária tinha-se o cuidado de colocar o caixão de tal forma que os pés do morto ficassem apontados em direção à porta. Se o rosto estivesse próximo à porta, poderes demoníacos poderiam arranhá-lo e com isso o morto teria dificuldades de enxergar a formosura do reino celestial.