POMERANA

Coluna Pomerana

Os pomeranos e a sopa de sangue

Publicado em 15/10/2019 às 12:15

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sopaUma das tradicionais iguarias trazidas pelos imigrantes pomeranos, pelo menos os que vieram colonizar o município de São Lourenço do Sul, é, sem dúvida, a sopa de sangue, cujo ingrediente principal pode ser sangue de ganso (especialmente), mas também de pato ou marreco. No artigo de número 260 da Folha Pomerana Express, se referindo ao costume do uso do sangue de ganso pelos pomeranos, na sua terra natal: “Em outras casas, eles saboreavam um bolo salgado feito à base de farinha de trigo, misturado com carne de porco, sangue de ganso e passas, o “Tollatsche”. (HEINEMANN, 2018, p. 3). Não temos exatamente a origem de tal prato, porém, na casa de minha avó materna, Mina Guilhermina Strelow Peglow, era presença certa à mesa nos anos 1960, depois do abate especialmente de gansos, aves sempre presentes na propriedade. Lembro também que a sopa não era unanimidade nos gostos e, por isso, minha avó sempre fazia a “sopa branca” e a “sopa preta”, para agradar a todos.

Lembrando a localização do município de São Lourenço do Sul, no sul do estado do Rio Grande do Sul, colonizado primeiramente por portugueses, mas que recebeu muitos imigrantes alemães e pomeranos especialmente na segunda metade do século XIX, às margens da Laguna dos Patos, atualmente conta com uma população em torno de 45.000 pessoas. Destaque-se a considerável presença de descendentes do povo pomerano, especialmente no interior do município.

Podemos afirmar que a sopa era a entrada da refeição, visto que o prato principal era, sem dúvida, o ganso assado, uma delícia. Mas também pode ser saboreada com o acompanhamento da carne assada das aves, tudo dependendo do gosto de cada um. Não temos informação de quem trouxe a receita da sopa para a região, mas, segundo depoimentos, ela era presença certa à mesa das famílias Peglow, moradoras do 5º Distrito do município de São Lourenço do Sul, mais precisamente na localidade de Fazenda Boa Vista. Normalmente quem fazia o abate convidava os parentes próximos para participar do banquete à base de ganso. Quando da matança de gansos, uma parte era reservada também para a preparação de defumados especialmente as coxas e sobrecoxas e, claro, o peito.

sopa2sopa3O ganso era preferido, porque é uma ave de maior porte, que alimenta uma família grande. Mas, claro, além da carne, outro produto do ganso, utilizado na fabricação de travesseiros e cobertas são suas penas, verdadeiras plumas, muito macias. Uma coberta de penas, nos invernos rigorosos, sempre era bem-vinda. Ou seja, por lá, praticamente nada se perdia em um abate de ganso, inclusive o sangue. Também podemos citar a banha de ganso, muito utilizado e presente. Normalmente os gansos abatidos eram gordos, o que proporcionava boa quantidade de banha para a cozinha. Segundo a professora Ivanir Peglow Bender, era comum na família Peglow o encontro familiar sempre na casa de quem fazia o abate dos gansos, para um farto almoço, começando sempre pela sopa, é claro, e terminando com o ganso assado. Poucas pessoas ainda dominam a técnica da preparação da sopa de sangue, mas, pesquisando, encontramos as senhoras Gerti Schuch Schaun, Dulce Strelow Bender e Neila Maria Scheer de Souza, oriundas da região citada, que ainda hoje preparam o prato, receita da bisavó de Gerti e de Neila, a senhora Bertha Lutz Peglow (1872-1962), que foi passando de geração em geração.

Com elas conversamos com a respeito para maiores detalhes. Lembramos que a grande maioria dos jovens atualmente sequer provou tal sopa, e muitos nunca ouviram falar. A preparação inicia no abate do ganso, quando o sangue é misturado com um pouco de vinagre, sempre mexendo bastante para não talhar a mistura. Ao contrário da sopa polonesa, a czarnina, que continha sangue talhado, a nossa sopa exige o sangue na forma líquida. Normalmente o abate era feito na véspera da preparação da sopa, porém não necessariamente. Não só conversamos com as três como acompanhamos parte da preparação da sopa. E, como manda a tradição, foi compartilhada por bom número de convidados.

sopa4O começo da preparação é de uma sopa comum, com o cozimento de miúdos, como coração, moela, fígado, pescoço, patas, língua, além das asas, pois o restante é reservado para o assado no forno. Na receita, normalmente não vai nada mais além das carnes, água e sal, com a adição dos bolinhos feitos de farinha, ovos e água (cless), mas podiam também ser com batata ralada para melhor consistência. Além disso, quase no final, tem a adição de pêssegos secos hidratados e com açúcar até ficar no ponto de calda média.Se precisar, acrescentar açúcar e vinagre a gosto, dando um característico sabor agridoce ao prato. Sempre lembrando que o acréscimo de bolinhos e pêssegos faz parte da fase final do prato, e, com isso, deve terminar a fervura. E a finalização da sopa, já no ponto de servir, com os bolinhos, e sem as carnes cozidas, dá-se com o acréscimo do sangue colhido no dia anterior, em sua forma líquida, e o ajuste do seu sabor conforme já registrado com açúcar e vinagre caso necessário.

sopa5sopa6Para concluir, a intenção deste trabalho foi documentar esta tradição alimentar trazida pelos nossos ancestrais, que, conforme escrevemos acima, está se perdendo e transportar a receita, sua história, da oralidade para o modo digital, para que não se perca, porque as novas gerações praticamente desconhecem a sua existência e o modo de preparar tal prato. Hábitos alimentares e culinária de um povo também são história, e daí a necessidade de se registrar, especialmente um prato que tivemos a oportunidade de experimentar, e que, sem dúvida, faz parte de nossa tradição pomerana. Importante também ressaltar que todas as fotos do trabalho e de família são gentileza da senhora Neila Maria Scheer de Souza.

BIBLIOGRAFIA:
HEINEMANN, J. C.. A alimentação dos pomeranos, parte II. Folha Pomerana Express, Venâncio Aires, n. 260, 2018. Disponível em: https://folhapomeranaexpress.blogspot.com.br/ Acesso em: 23 set.2019.

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