Coluna Pomerana
Os pomeranos brasileiros na época do nazismo
Publicado em 05/05/2022 às 10:03
Para uma melhor compreensão dessa questão, será preciso relembrar, que o Brasil entrou na guerra da Europa de 1939, talvez, até contra a própria forma de pensar dos seus governantes. Aliás, resultante do seu próprio modelo de governo da época, com suas simpatias às administrações do “eixo”.
O nacionalismo brasileiro terminou se tornando extremamente agressivo contra tudo que não fosse
legitimamente “brasileiro”. Entretanto, durante essa época, de certa forma, isso até reforçou o comportamento americanófolo da Igreja Missouri. A atuação dos pastores de origem alemã tornara-se bastante limitada. A assistência religiosa prestada pela Igreja Missouri passara a adotar um comportamento mais ostensivo e mais flexível tanto no que se refere à utilização da língua pomerana nos seus ofícios religiosos como na própria participação financeira dos seus paroquianos. Em algumas localidades, isso até chegou a criar conflitos entre comunidades dos dois grupos.
Em uma série de entrevistas feitas na colônia pomerana há alguns anos também foram coletadas informações de imigrantes alemães aqui chegados depois da Segunda Grande Guerra. Observa-se que esses imigrantes, de fala alemã, aqui radicados, não se misturavam com os pomeranos brasileiros. Um dos entrevistados foi muito enfático nas suas afirmações: “Minha mãe falava o pomerano. Meu pai nunca aprendeu a falar essa língua. Ele falava francês, inglês, espanhol e depois aprendeu a falar o português. Mas o pomerano foi difícil”.
O sentimento em relação aos alemães, durante alguns anos e mesmo depois da Segunda Grande Guerra ainda permaneceu vivo na forma como os pastores estrangeiros passaram a retomar o seu trabalho. Ao mesmo tempo, o sentimento de que os ofícios religiosos teriam que ser realizados de maneira mais acessível ao pomeranos já começava a tomar forma. Era preciso fazer-se entender pelo povo pomerano! Mas isto ainda levaria algumas décadas para se tornar realidade.
A visão de nazismo dos pomeranos brasileiros.
As questões relacionadas ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães no Brasil, novamente nos remete a uma antiga realidade já bem conhecido: Apesar dessa certa simpatia com que o governo getulista se relacionava com as ditaduras da Alemanha nacional-socialista e da Itália fascista, ainda na década de 1930, na “Colônia” não se discutia questões relacionadas à doutrina nazifascista. Ou
seja, os pomeranos sempre viveram muito afastados dos chamados “alemães” e da própria maneira de ser alemã. Houve, sim, a distribuição de algum material de propaganda nazista impresso, especialmente da juventude hitlerista, porém, todos estavam muito mais preocupados com o dia a dia da sua propriedade e com sua própria comunidade.
Vale enfatizar que, esse Partido Nacional Socialista, fundado na década de 1930, chegou a ter cerca de três mil filiados e, segundo diferentes fontes, teria reunido de vinte a duzentos mil simpatizantes, entretanto, seus núcleos de seguidores sempre se fortaleceram nas cidades com populações de imigração europeia. Por outro lado, na época da Segunda Grande Guerra, quem era alemão não costumava se “misturar” com ao pomeranos aqui radicados.
Da mesma forma, os imigrantes alemães do pós guerra, talvez até pelo medo de serem perseguidos, pouco se manifestavam. E, na medida do possível, ao menos nos primeiros anos, seguiam a sua vida dentro de um relativo anonimato.
O estigma de “ser pomerano”.
Para os que voltaram dos quarteis, tanto os que tinham vivenciado a guerra na campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Itália, como aqueles que tinham passado pelos preparativos para um possível futuro confronto, o medo parecia ter passado. Muitas histórias ficaram para serem contadas! Muitos pesadelos para serem esquecidos. Mas, muitas neuroses de guerra deixaram suas sequelas.
A campanha, especialmente para os pomeranos representou um marco de muita dor. Eram soldados brasileiras, em guerra contra soldados oriundos das terras dos seus antepassados. Já familiares de alguns dos sobreviventes da FEB, até muitos anos depois, ainda lembravam que “alguns da nossa família chegaram a ser presos por não conseguirem falar o português”. Ou, segundo contaram alguns “pracinhas”: “Quando voltei da guerra, mandaram que falássemos bem baixinho, porque a polícia poderia nos prender.”
Mas, como depois da intempérie sempre aparece o sol, era preciso seguir com a vida e, especialmente, era preciso continuar provendo o alimento para a família. Os primeiros meses foram especialmente difíceis. A paranoia e a desconfiança dos “brasilioner”, isto é, dos não imigrantes contra os “colonos”,
continuava trazendo muitas dificuldades. Depois da Grande Guerra, do lado pomerano persistia um verdadeiro sentimento de inferioridade, ainda decorrente da perseguição aos teuto-brasileiros. Isso trouxe muitos constrangimentos. Ser pomerano era sinônimo de desprestígio; era vergonhoso. Em muitos casos um casamento com um integrante de outra etnia representava uma fuga deste estigma…
A época da difícil integração dos pomeranos
A vida nas colônias pomeranas sempre foi muito diferente daquela de outras áreas rurais. Até a década de 1950 muitas crianças pomeranas, a partir de nove ou dez anos de idade já acompanhavam os pais nas suas lidas no campo, naqueles tempos, representando a melhor forma de subsistência dessas famílias de prole numerosa. Apenas alguns poucos agricultores podiam pagar trabalhadores diaristas brasileiros de fora. Apenas em algumas localidades um ou outro caboclo das proximidades auxiliava no trabalho na lavoura. Dessa forma, ocasionalmente aprendiam alguma palavra em pomerano ou ensinavam transmitiam algumas palavras em língua portuguesa. Entretanto, a timidez natural daquela gente interiorana, também transformava a maioria das crianças em ouvintes atentos e de pouca conversa. Assim, todos falavam muito pouco e o final do dia geralmente chegava bem antes de que pudesse ocorrer um diálogo mais consistente em língua portuguesa. Dessa forma, no seio da família pomerana, a barreira na comunicação ainda se manteve intransponível por décadas.
Até mesmo nos dias de hoje, ainda temos relatos que sinalizam, com clareza, que, no decorrer do século XX, imigrantes alemães radicados no interior de muitas localidades não costumavam se “misturar” com os pomeranos brasileiros.
Da mesma forma, somente bem mais tarde, com a sua chegada nas escolas é que estes jovens pomeranos passavam a se familiarizar com a língua portuguesa. Tudo isto, certamente aconteceu, em decorrência da falta de uma política de integração entre a população de imigrantes e os habitantes nativos desse grande Brasil.
Uma nova atualidade dos pomeranos brasileiros
Nos dias de hoje, já tendo passado um século e meio desde a imigração pomerana no Brasil, certamente temos uma situação muito própria: a sobrevivência da língua materna pomerana está sendo incentivada nas escolas e nos núcleos familiares. A oficialização do “Dia do Imigrante Pomerano”, tanto no Espirito Santo, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e em Rondônia mostra o interesse dos descentes desse povo por sua própria história e seus traços culturais.
Então, nem todos os aspectos hoje incluídos no seu “patrimônio cultural” têm origem na antigo Pomerânia, porém são festejados como valores próprios. São novos valores incorporados à sua cultura. Refiro-me, por exemplo, aos paramentos em estilo bávaro, encontrados em todos os grupos de dança, tanto de Espírito Santo, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul ou de Rondônia. Também a música pomerana dos dias atuais, em ritmo de música cabocla é muito apreciada no Espírito Santo. Lógico, muitos se perguntam: de que forma a cultura pomerana vai sobreviver no Brasil?
De 1870 até 1970 tivemos uma espécie de isolamento.
De 1970 até 2020 vem acontecendo uma rápida aculturação.
De 2020 até 2070 será o tempo da grande incógnita.
O pomeranismo sobreviverá ou teremos apenas antigos pomeranos totalmente aculturados? São perguntas sem respostas.