POMERANA

Coluna Pomerana

Os pastores, as comunidades livres e as escolas pomeranas em São Lourenço do Sul – Parte I

Publicado em 17/12/2023 às 11:44

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Folha Pomerana Express | Um informativo a disposição da Comunidade Pomerana Brasileira
Franz Lerchenmüller
Correspondência Cultural da Europa Oriental Nº 50
9
Dezembro de 2023
Tradução Ivan Seibel

Fig. 1 – Professor Krüger e alunos
Fonte: Doralice Meyer.

“Enquanto que no Brasil Central e em Santa Catarina, grosso modo, houve um pastoreio mais ou menos
ordenado,desde o início da imigração alemã, outra foi a situação no Rio Grande do Sul. Ainda que os primeiros imigrantes tenham tido pastores, nos primeiros quarenta anos, de 1824 até 1864, nenhuma organização alemã enviou pastores a essa região, na qual se havia estabelecido a maioria dos imigrantes alemães e seus descendentes. Essa falta de pastores com formação teológica levou ao surgimento de um fenômeno designado de pseudopastorado. Sem pastores, não querendo converter-se ao catolicismo, as comunidades do Rio Grande do Sul começaram a designar leigos de seu próprio meio para exercer as unções pastorais” (DREHER, 2003, p. 52).

1 Licenciado em História e Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História do instituto
de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal de Rio Grande – FURG, Rio Grande, Rio
Grande do Sul, Brasil. [email protected]

É de conhecimento público que os primeiros imigrantes alemães e pomeranos que chegaram ao Brasil a partir da segunda metade do século XIX foram iludidos com falsas promessas por agenciadores bem como pelo império brasileiro. Ao chegar ao local a eles destinado encontraram tudo por fazer. Sem estradas, moradias, escolas, saúde pública e até sem igrejas, os pioneiros tiveram que se virar por conta própria no sentido de ter uma vida minimamente normal. E as necessidades sem dúvidas passaram por educação e também pela religião.

Fig. 2 – Pastor
Fonte: Erno Krumreich

A figura 1, Guilherme Krüger, professor em escola na Comunidade Evangélica de Bom Jesus Continuação, atual Bom Jesus II.
A Constituição de 1824, a primeira do Brasil independente dava conta da oficialidade da religião do império, o catolicismo em seu artigo 5. E a permissão de outras religiões desde que sem sinais exteriores de templo. Dessa maneira, os pomeranos usaram a criatividade, onde escola e igreja funcionavam em um mesmo espaço físico, evitando assim ir contra a lei vigente no país. E não era incomum a mesma pessoa fazer ocupar o pastorado e o magistério simultaneamente. Hammes publica um registro datado de 17 de novembro de 1861, denominado apêndice nº 5 referindo-se a uma reunião da comunidade protestante da Colônia de São Lourenço e algumas providências a tomar: “1 . O culto será celebrado no prédio da escola da Roça. 2. O salário do pastor é fixado , no mínimo, em 400$000, competindo-lhe, em compensação, a celebração do culto aos domingos e dias de festa, a Ceia e a Confirmação, bem como, a pedido, a administração do sacramento da Extrema-Unção” (2010, p. 38). A figura 2, pastor de comunidade livre.
É importante esclarecer quando se fala em comunidades livres, se referem a comunidades luteranas independentes sem vínculo com entidades religiosas de âmbito nacional, no caso a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Assim sendo, conforme registra Dreher (2003, p. 53) “Por outro lado, porém, nessas comunidades autônomas, a Igreja terminava nas fronteiras da própria comunidade”. E mais, em muitos casos ainda hoje com pastores leigos que não tem uma formação em Teologia. Herança dos tempos em que praticamente não havia oferta de pastores por parte da Alemanha, e os que vinham, muitas vezes desistiam ao se deparar com dificuldades especialmente a falta de infraestrutura e a necessidade de deslocamento em grandes distâncias.

As primeiras comunidades criadas em São Lourenço do Sul, segundo Hammes datam dos anos 1860, quando surgiu uma na localidade de Picada Moinhos (Mühlenstrasse) e Bom Jesus Fortsetzung, atual Bom Jesus II, hoje ligada à IECLB. Aliás, as comunidades luteranas criadas, na sua totalidade tem também seu cemitério próprio, considerando que no século XIX os cemitérios eram praticamente todos pertencentes a entidades católicas. Que proibiam sepultamento de não católicos. Segundo Dreher: “O problema voltava quando aconteciam óbitos. Não havia cemitérios públicos. Os existentes pertenciam a irmandades, paróquias, ou haviam sido bentos por autoridades eclesiásticas. Cristãos dissidentes não podiam ser neles sepultados” (2014, p. 207). Na figura 3, uma imagem de túmulos antigos em cemitério luterano.

Fig. 3 – Cemitério luterano
Fonte: Deivid Cardoso.

Apesar da fundação das comunidades luteranas na década de 1860, o período compreendido entre a chegada dos primeiros imigrantes e o final dos anos 1880 foi um tempo onde os imigrantes tiveram que se virar sozinhos. Sem pastores enviados pela Alemanha, sem professores, a necessidade de lançar mão do trabalho de algum imigrante mais afeito à comunicação, letrado que pudesse, além de dirigir os cultos também ensinar os filhos dos colonos. Além disso, segundo Tamara Oswald: “Depois da Proclamação da República, a Constituição de 1891 declarava entre os direitos dos cidadãos que os indivíduos as confissões religiosas poderiam exercer publica e livremente seu culto e que nenhum culto ou igreja gozaria de subvenções oficiais nem teriam relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados. Isso deu maior autonomia e liberdade de culto às comunidades luteranas livres” (2014, p. 56).
Mas a relação entre colonos, pastores de Sínodo e os pastores leigos escolhidos e investidos por eles no trabalho nas comunidades não eram com certeza muito amistosas. Segundo Karl Heinrich Oberacker pastor nascido na Alemanha e chegado ao Brasil em 1909: “Talvez fosse mais agradável ser missionário na África do que ser pastor no Rio Grande do Sul, pois nossos colonos, nessa época, não recebiam um pastor do Sínodo com cordialidade. Muitas vezes diziam que se deveria enxotar da colônia os pastores do Sínodo, e os pseudopastores naturalmente atiçavam, com toda a força, o fogo do ódio e da aversão ao Sínodo” (2020, p. 126). De outro lado o professor Carmo Thum,em sua tese de doutorado lembra (2009, p. 304 – 305)) do conflito religioso entre a questão das comunidades livres e as comunidades dos sínodos (IECLB e IELB). E aí a teoria do silenciamentos dos pomeranos através da hegemonia da cultura germânica no mundo material. Abaixo, figura 4, bíblia de um pastor livre: Guilherme Augusto Bertholdo Krüger.

Fig. 4 – Bíblia século XIX
Fonte: Doralice Meyer.

Encerramos essa primeira parte desse artigo com as palavras do professor Thum em se referindo às comunidades livres, ou como hoje preferem ser denominadas, comunidades independentes: “O processo de construção das comunidades livres não se deu por um acaso histórico, mas, sim, pelas condições materiais sob as quais estavam envolvidos a população das comunidades isoladas no RS, que, sem atendimento espiritual por pastores, organizaram-se e constituiram um modo próprio de gestão da vida comunitária. Esse é o caso das das comunidades pomeranas na Serra dos Tapes. Observando os locais onde as comunidades livres tiveram forte presença, e ainda hoje, uma realidade. Paralelo a isso, também é visível a presença forte de pomeranos nelas. As comunidades independentes mantém sua força na região sul do Rio Grande do Sul. Teichmann (1996, p. 03) acrescenta que os pomeranos são em sua maioria os criadores, defensores e fomentadores das comunidades livres.
Na parte II desse trabalho pretendemos abordar um pouco das escolas dos primórdios até o Estado Novo de Getúlio Vargas, quando o estado finalmente se fez presente na área da educação. As escolas, que eram patrimônio das comunidades e sua absorção pelo poder público, a proibição do idioma alemão no ensino entre outras. E o destino dos professores das escolas de comunidades após ficarem sem seu trabalho desenvolvido junto às crianças de seus membros. Além claro de seguir na abordagem sobre pastores e comunidades livres que viveram momentos de apreensão e dificuldades por ocasião da eclosão da II Guerra Mundial, quando pastores da região foram parar no Presídio Daltro Filho de Charqueadas acusados de cumplicidade com o regime nazista.

Referências Bibliográficas

DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade. São Leopoldo: Sinodal. 2003.
DREHER, Martin N. 190 anos de imigração alemã no Rio Grande do Sul: Esquecimentos e Lembranças. São Leopoldo: Oikos. 2014.
OBERACKER, Karl H. Na terra ensolarada do Brasil. Imagens e perfis. Experiências no sul do Brasil. Oikos: São Leopoldo. 2020.
OSWALD, Tamara. Comunidades luteranas livres em São Lourenço do Sul (1886 – 1945). Dissertação Mestrado. UFPEL, Universidade Federal de Pelotas.
TEICHMAN, Eliseu. Imigração e igreja: as comunidades livres no contexto da estruturação do Luteranismo no Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado em Teologia). Instituto Ecumênico de Pós Graduação. São Leopoldo. 1996.
THUM, Carmo. Educação, História e Memória: silêncios e reinvenções pomeranas na Serra dos Tapes. Tese Doutorado. Unisinos, Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo.


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