Não tenho carteira assinada: como ter direito aos benefícios do INSS?

Publicado em 18/11/2021 às 13:20

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Saiba como ter direito aos benefícios do INSS mesmo não tendo a carteira assinada
Luciano Rocha

Saiba como ter direito aos benefícios do INSS mesmo não tendo a carteira assinada

Com o  aumento do desemprego no país e a consequente precarização do trabalho, muitos brasileiros recorrem à informalidade para sobreviver. Esse é o caso de trabalhadores que exercem alguma atividade sem carteira assinada e que, por isso, não possuem direitos trabalhistas ou previdenciários. É aí que vem a pergunta: o que fazer para receber os benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), como aposentadoria, auxílio-doença e pensão por morte?

Mariano de Oliveira Pinto* é motorista da Uber desde 2018, quando a empresa chegou à cidade de Bauru, no interior de São Paulo, onde ele reside. No início, a ideia era que essa profissão fosse uma segunda fonte de renda, já que ele também tinha um emprego “fixo”. Um ano depois, Mariano perdeu o primeiro emprego e continuou trabalhando apenas no aplicativo. Apesar de gostar do trabalho, principalmente pela liberdade de escolha do seu horário, ele diz que não pretende se aposentar como motorista da Uber.

“Eu não pretendo me aposentar nesse trabalho, mas eu pretendo continuar trabalhando até que eu possa me formalizar em uma empresa ou também avançar em um negócio, como uma transportadora, por exemplo. Quero correr atrás de ter um ganho maior e me estabilizar. Mas eu pretendo continuar trabalhando por conta para me programar e ter uma liberdade maior”, diz.

Como não há uma relação de trabalho regulamentada por lei entre os motoristas e a Uber, a empresa não repassa ao INSS uma porcentagem sobre o valor dos salários. A situação é ainda mais delicada porque a plataforma não reconhece um vínculo empregatício entre ela e os profissionais, os quais considera apenas “colaboradores”.

Na opinião do advogado trabalhista Cláudio Lima Filho, sequer existe um interesse dessas empresas por aplicativos em estabelecer uma relação de trabalho com os motoristas. “A manutenção de um funcionário aqui no Brasil é muito custosa. Além disso, elas não têm um controle de quem está fazendo o transporte”.

“É complicado. Não basta apenas ter uma assinatura na carteira. Uma relação de trabalho precisa atender alguns requisitos, estabelecidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e pela Constituição Federal, para ser uma relação de trabalho. São eles assiduidade, exclusividade, horário de trabalho e o mais importante: subordinação. Ao meu ver, o indivíduo que tem a liberdade de trabalhar quando e se quiser, não tem subordinação; ninguém está mandando nele. Então, ele já não preenche esse requisito, por exemplo”.

No Reino Unido, a Suprema Corte obrigou a Uber a oferecer planos de aposentadoria aos motoristas . A Justiça britânica determinou que a empresa americana deveria classificar mais de 70 mil profissionais como trabalhadores, com direito a salário mínimo, férias e pensão. Anteriormente, a companhia os classificava como “autônomos independentes”. 

No Brasil, o cenário é bem diferente. Ainda não há na legislação nada que obrigue a Uber e outros aplicativos a formalizarem o trabalho de motoristas e entregadores. Ainda assim, um projeto de lei em tramitação no Senado prevê que essas plataformas classifiquem esses profissionais como “trabalhadores intermitentes”, sob regime CLT. O texto foi apresentado no início de setembro pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO). No momento, também existem 20 projetos de lei sobre o tema circulando no Congresso .

Além disso, tribunais regionais do trabalho  já reconheceram algumas vezes a existência de um vínculo empregatício  entre as empresas de transporte por aplicativo e os motoristas. Em São Paulo, o Ministério Público do Trabalho  ajuizou quatro ações civis públicas contra a Uber, a 99, o Rappi e a Lalamove por supostas fraudes trabalhistas e pediu à Justiça a aplicação de uma multa de R$ 10 mil por trabalhador encontrado em condição irregular.

“Eu acho bastante complicado dizer que a relação entre a Uber e os motoristas vá se transformar um dia em uma relação de trabalho. Enquanto o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF) não fecharem o caixão sobre esse assunto, nós ainda vamos ter várias jurisprudências de todas as formas”, completa Lima Filho.

Na última quarta-feira (17), durante uma audiência para debater o tema no Congresso, o presidente da Frente de Apoio Nacional dos Motoristas Autônomos (Fanma), Paulo Xavier Júnior, afirmou que 99% dos motoristas de aplicativos por transporte, como a Uber e a 99, “não querem CLT” .

Mas eu preciso ter a carteira assinada para receber os benefícios do INSS?

Não. Para ter direito aos benefícios do INSS, é necessário apenas atender a dois requisitos: ter a qualidade de segurado, isto é, contribuir com a Previdência, e cumprir um tempo mínimo de contribuição, também chamado de “tempo de carência”. 

Para receber um benefício de auxílio-doença, por exemplo, o trabalhador deve ter contribuído com o INSS por pelo menos 12 meses. Se ele começar a contribuir hoje, terá a qualidade de segurado, mas ainda não terá o tempo de carência. Passados 12 meses, essa pessoa terá cumprido os dois requisitos para receber o benefício e, assim, terá direito a ele.

Como isso é feito?

No caso de pessoas que trabalham com a carteira assinada, a contribuição é feita pelo próprio empregador, com um recolhimento de 20% sobre os salários dos funcionários. Já as empresas que são beneficiadas pela política de  desoneração da folha de pagamento contribuem com um valor entre 1% e 4,5% do seu lucro bruto.

Para os trabalhadores informais, no entanto, isso não acontece…

Solução é contribuir por conta própria

Mariano contribui com a Previdência por conta própria. Essa é uma alternativa para ele e para tantas outras pessoas que também não possuem carteira assinada.

Como contribuir?

É possível contribuir de duas formas: como microempreendedor individual (MEI) ou como contribuinte facultativo .

MEI

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Para contribuir como MEI, é necessário pagar mensalmente o Documento de Arrecadação Simplificada do Microempreendedor Individual (DAS-MEI). Nesse caso, o autônomo paga 5% do valor de um salário mínimo – de R$ 1.100 em 2021 – para o INSS.

Com essa contribuição, o trabalhador terá direito a todos os benefícios previdenciários, com exceção da aposentadoria por tempo de contribuição, que, após a reforma da Previdência, só é válida para as pessoas que já estavam inseridas no mercado de trabalho antes dela entrar em vigor.

Contribuinte facultativo

Como contribuinte facultativo, é possível optar por duas modalidades de recolhimento: plano normal ou plano simplificado.

No plano normal, a contribuição equivale a 20% da renda mensal do trabalhador, desde que ela varie entre o salário mínimo (R$ 1.100) e o teto previdenciário (R$ 6.433,57). Assim, o valor a ser pago mensalmente vai de R$ 220 a 1.286,71.

Já no plano simplificado, o segurado deverá pagar todos os meses uma alíquota de 11% sobre o salário mínimo, o que equivale a R$ 121.

Em ambos os modelos, os contribuintes têm direito a todos os benefícios da Previdência. Mas, somente no plano normal, é possível solicitar a aposentadoria por tempo de contribuição.

Por quanto tempo devo contribuir para conseguir um benefício do INSS?

Como já mencionado, para usufruir dos benefícios do INSS, os trabalhadores terão que cumprir um tempo de carência, que varia de acordo com cada benefício. Confira a seguir:

  • Aposentadoria por idade: 180 meses (15 anos); 
  • Aposentadoria por invalidez: 12 meses; 
  • Auxílio-doença: 12 meses; 
  • Licença-maternidade: 10 meses; 
  • Auxílio-reclusão: 24 meses; e
  • Pensão por morte: Não há tempo mínimo.

E qual a melhor opção entre MEI e contribuinte facultativo?

Na opinião do advogado especialista em Previdência Hilário Bocchi, é importante que o trabalhador informal se regularize de alguma forma. Uma boa opção é, sim, se tornar um microempreendedor individual (MEI). 

“Se tem renda, tem que se formalizar. Esse é o caminho certo. Vamos sair um pouco fora da Previdência… A pessoa vai ganhar dinheiro e colocar na conta. Se colocar na conta, tem que pagar o Imposto de Renda. Agora, pensando como a Receita Federal, como que essa pessoa está ganhando dinheiro se está desempregada? Ela pode ter um problema tributário na Receita. ‘Ah, mas é bico, uma coisa eventual’. Mesmo assim, pode correr algum risco”, avalia.

“‘Ah, mas eu estou desempregado, não tenho renda nenhuma e estou pagando com a reserva que guardo ou com o dinheiro que meu pai, minha mãe, minha esposa ou o meu marido está me dando’. Bom, aí é desemprego mesmo. Tem que ter esses cuidados, porque a repercussão pode ser em outras áreas”, continua Bocchi.

A orientação do advogado é de que as pessoas “se vinculem à Previdência de acordo com a realidade da vida delas”. 

Período de graça

Para trabalhadores em uma condição de insegurança financeira, às vezes, nem sobra dinheiro para contribuir com a Previdência. Caso tenham contribuído anteriormente, essas pessoas podem utilizar, então, do chamado ” período de graça “. Trata-se de um período em que o INSS mantém o direito dos segurados em ter os benefícios mesmo que eles não estejam contribuindo.

“Para você entender melhor o período de graça: é como se você tivesse o benefício de graça, sem precisar contribuir, por um período que vai se estender de acordo com a condição que você tinha antes”, explica Bocchi.

Normalmente, quem era empregado com carteira assinada pode ser beneficiado por até 12 meses. Esse prazo costuma ser prorrogado por até 24 ou 36 meses, se a pessoa tiver mais de 10 anos de contribuição e provar que não conseguiu arrumar outro emprego.

Já para contribuintes facultativos, entretanto, o período de graça dura apenas seis meses. O prazo pode dobrar caso o trabalhador faça uma nova contribuição.

*nome fictício

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