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Crônica: O viajante

Publicado em 08/11/2023 às 14:33

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A estrada sinuosa exige mais do viajante, que tome cuidado a cada curva, atenção redobrada para o aparente silêncio, que muitas vezes traz consigo uma tempestade ruidosa. Tempestade essa que paralisa e impede de seguir adiante. O medo é cada vez maior, não importa quanto tempo tenha a caminhada, o medo é um visitante inoportuno. Não adianta expurgar, hora ou outra insiste em aparecer.

O viajante demonstra estar cansado, parece enfadonho, tantas idas e vindas e todo lugar, nunca é o lugar, uma completa ausência de pertencimento. De fato, não seria isso uma grande utopia? Observo senhorzinhos sorridentes, são heróis inominados, resistir a tanta chuva e sol, mesmo que a pele denuncie, o sorriso nesses rostos é um fenômeno admirável.

Nas noites escuras a consciência incomoda mais que de costume, lembranças opacas de pessoas que escolheram partir, o que seria diferente se ficassem? Divagações da solidão são tão mortíferas. Momento esse para descansar o corpo, a mente questiona a si mesma, um encontro não desejado consigo mesmo.

Oi, tudo bem? Tento iniciar o encontro com simpatia, para que possa vir com candura as palavras seguintes. Não adianta, com nitidez vai tomando forma, o que as obrigações diárias, a rotina e falta tempo escondem. Depois de certo silêncio analítico, escuta-se: em um instante na sua vida será desvelado todas as amarras, alguns terão anos de liberdade, outros apenas um segundo e tudo mais será culpa…

A viagem inexoravelmente prossegue, algum dia foi acreditado que tudo seria bem encaixado, tudo organizado e bem encadeado. Quando era mais jovem, as certezas eram absolutas, tudo sabia, nada desconhecia. À medida que a caminhada prosseguiu o horizonte ficou mais turvo, os olhos viram as certezas sendo dissolvidas, algumas com violência de uma tempestade, outrora de forma mansa e surpreendente. As definições tornaram-se interrogações.

Durante a viagem, existem momentos que nada parece fazer sentido, tudo fica enfadonho e repetitivo. Como se ouvisse a mesma música todos os dias, sente-se que tudo perde o brilho. Na estrada vê muitos viajantes parados, perdidos justamente nessa opacidade, tentam de tudo para ter o brilho de volta, não importa o que fazem ou usam, têm apenas faíscas. E cada vez mais vão se afundando no desejo e nos objetos desejo.

Entretanto, desejar ainda é menos pior que nada desejar. Está cada vez mais crescente o número de viajantes que são arrastados pelo tempo, nada buscando, sendo conduzidos sem qualquer resistência, buscando a todo custo o entretenimento, não pensar, nada realizar, entorpecer ao máximo é objetivo. Por tal razão não é espantoso o surgimento de tantas drogas com poder alucinógeno cada vez mais potente.

Antes fosse, as drogas, o maior vilão, essa é perceptível, fácil de detectar, os maiores danos vêm sempre em silêncio e em aparente ofensividade. Quando surgiu a internet, a promessa foi de reunir mais as pessoas, conectar o mundo em uma grande rede de cooperação e aprendizado mútuo. Atualmente, pelas pesquisas de uso, detecta-se que o fim tem sido outro: entretenimento. As redes sociais, com a promessa de reencontrar os amigos passados, encontrar pessoas com os mesmos planos e objetivos, manter sempre perto as pessoas, em última instância eliminar de vez a saudade.

Na prática vemos que a comparação constante, a busca constante pela estética virtual apresentada tem causado muitas frustrações e muitos sucumbem por não atingir o visualmente admirável nas redes sociais, principalmente os jovens que anseiam serem aceitos acima de tudo.

A viagem é sempre mais importante que o viajante, por mais que tenha alguma noção ou prévia experiência, a viagem nunca é igual ao que está nos planos. Sempre seremos surpreendidos em vários aspectos. Que bênção se fosse sempre surpresas alegres, ao contrário, devemos apreciar ainda mais os instantes de alegria, pois são raros.

Uma vez conheci um senhor, um pouco sisudo, que tinha uma percepção super aguçada, sempre sabia o que falar, não importava a situação, era assertivo e nunca falava demais. Me disse uma vez que era muito alegre, fiquei intrigado pois ele normalmente era taciturno e com o semblante cerrado, fiquei calado diante dessa frase e ele rapidamente compreendeu que eu entendia a alegria como algo distinto.

Complementou: a alegria é a capacidade de nunca perder o direcionamento. E novamente ficou em silêncio reflexivo. Durante muito tempo fiquei ponderando sobre isso, muitas vezes os sorrisos, a euforia, nada mais são que camuflagem de uma dor perene. E essa dor além de ser sentida, deve ser dissimulada, pois a realidade não atrai seguidores. O padrão de sorrisos largos, rotina de viagens, frases de paz interior e outros devem ser mantidos a todo custo.

O viajante prossegue na sua jornada, assim seguimos todos, buscando um dia entender plenamente toda a jornada, enquanto isso, fé e esperança sempre.

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