Arte, Crônicas e Poesia
Crônica – Histórias ouvidas em minha infância por Kássio Barreiros
Publicado em 10/07/2024 às 11:14
Não tenho certeza do ano que os fatos ocorreram, nem a idade que tinha quando
enquanto brincava, escutava os adultos conversarem, e contarem histórias tristes, ou
engraçadas, que ficaram gravadas em minha memória. Verídicas ou não, “quem conta
um conto, aumenta um ponto”.
ESTOURO DE BOIADA
Cenário, cidade do interior mineiro, chamada Conselheiro Pena, localizada no vale do
Rio Doce, antigo Distrito de Lajão, quem não a conhece, é a terra do cantor Fernando
Mendes, e do ex-jogador de futebol da nação rubro-negra, João Batista de Sales, o Fio
Maravilha, complementando com mais um detalhe só, como diz um bom mineiro, “fica
pertim de Governador Valadares”.
Era comum na década de mil novecentos e sessenta, os boiadeiros passarem com suas
boiadas pelo centro da cidade, quando mudavam de um pasto para outro. Por vezes, sem
nenhuma explicação acontecia o estouro de uma boiada. Era uma confusão só, todos
corriam para dentro das casas ou comércios, alguns bois adentravam nesses locais e
quebravam tudo. Quem não conseguia se esconder ficava na rua tentando desviar dos
bois mais bravos.
Certa vez, um touro enfezado partiu para cima do Tião da Estação, para sua sorte só
encostou o chifre na barriga do coitado, não o ferindo em momento algum. Passado o
susto, e depois da boiada ter ido embora, Tião chega em casa esbaforido e gritando:
— Mãe, mãe! Sangue fede?
De pronto, a mãe respondeu: — Fede não meu filho, por quê?
— Se sangue fede, eu tô ferido mãe…
Só depois que ele se acalmou, sua mãe foi averiguar e descobriu que, após o baita susto
que levou, o pobre do Tião estava…todo borrado…
AULA DE DIREÇÃO
Um tio materno estava aprendendo a dirigir no quintal da serraria do meu avô, enquanto
um outro tio, — que nessa época gaguejava muito — o ensinava, ele ficava informando
o que o motorista deveria fazer, as direções que deveria seguir para não bater com o
carro. Estava tudo correndo normalmente, quando chegou a hora de treinar a marcha ré.
Ele se posicionou ao lado do veículo, e disse:
— “Vai ré, vai ré, vai ré….”
De repente ouviu-se um estrondo, e o carro parou.
Nervoso, meu tio que estava ensinando o outro, gritou:
— “Porque você não parou, eu disse vai ré, vai ré, vai re…bentar a cerca!”
O PINGENTE
É de praxe, costume mineiro, sentar-se nas cadeiras espalhadas pelas calçadas para
conversar, depois que o sol forte já se foi, e aproveitando a pouca brisa que corre,
enquanto a noite não cai. Um grupo de animadas primas, conhecidíssimas na região, as
famosas “Bidiquetes”, filhas do saudoso tio Bidico. Nada escapava dos olhares e
ouvidos atentos dessa turma. Certo dia, chegou uma amiga em comum, quando viu o
cordão pendurado no pescoço de uma delas, exclamou:
— Nossa, Rose! Que lindo o seu “Sucrifixo”. Onde você comprou?
Quem estava usando o cordão custou a entender, que a amiga estava elogiando o
pingente, em forma de um Crucifixo!
A gargalhada foi geral. Até hoje quando a reencontro, lembro desse episódio
sacramental.
PRA QUE REPETIR?
Que o mineiro é mestre por encurtar as palavras, ou dizer tudo no diminutivo, é fato!
Porque fica mais bonitinho, facinho de falar. Em casa de um bom mineiro, você não
entra, nem sai, sem tomar um cafezinho, e comer um bolinho quentinho, ou broa de
fubá, coisa melhor não há!
Meu saudoso tio Bidico, era um ilustre encurtador de palavras, ele dizia:
— Lingui…
— Pregui…
— Prosta…
Uma de suas filhas, então o corrige.
— Pai, é próstata!
— Ah, é prosta mesmo. Pra que falar o tatá!
Kássio Barreiros Paiva – 14/07/2023.