POMERANA

Coluna Pomerana

Como os pomeranos vieram para o Espírito Santo

Publicado em 24/08/2022 às 16:42

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Colunas-Montanhas capixabas-Pomerano
Dr. Ivan Seibel
[email protected]

Die deutsche Übersetzung des Briefes eines deutschen Urwald-Pastors Ende des
19. Jh. folgt in einer späteren Ausgabe.

Autor: Fritz Wilm, pseudônimo de Friedrich Wilhelm Hasenack, pastor em Santa Leopoldina/ES, de 1882-1890. Material repassado pelo neto do autor, o Pastor Emérito Johannes Friedrich Hasenack. Carta enviada ao seu irmão na Alemanha

Primeira parte

Querido irmão!
Na minha última carta eu lhe contei como os alemães-russos no Paraná se saíram; agora quero te contar como os pomeranos chegaram ao Espírito Santo e como por lá eles viveram e trabalharam. Em primeiro lugar, preciso dizer que, na Pomerânia, essas pessoas estavam entre as mais pobres.

Nota do Tradutor: A imigração iniciou-se no nosso país baseada em um sistema chamado “parceria”, idealizado por um grande fazendeiro, o Senador Vergueiro, na década de 1840. Por esse sistema, o fazendeiro pagava as despesas da viagem do imigrante, fornecia a alimentação a crédito, as ferramentas, alguns pés de café e um lote de terra para que plantasse gêneros de subsistência. Quando os pés de café começavam a produzir o imigrante deveria ressarcir o fazendeiro, pagando- lhe o capital investido com jurus, além de entregar metade de sua produção de café.
Veja mais em: http://mestresdahistoria.blogspot.com/2011/04/saiba-mais-sobre-imigracao-para-o.html

Eram trabalhadores diaristas, servos e empregados domésticos provenientes dos latifúndios. Seu salário diário tinha sido muito baixo, de 20 a 40 pfennigs, e sempre havia dias em que, em virtude do mau tempo, nada obtinham. Além desse salário diário, a senhoria lhes dava moradia e terras para o plantio. Naturalmente, tudo isso, depois lhes era cobrado. Além disso, eles precisavam ver como e o que eles poderiam plantar e colher para si próprios. Alguns homens também tinham sido pastores (de ovelhas) nas propriedades. Com isso se encontravam em uma situação um pouco melhor e também costumavam ser mais inteligentes do que os outros.

Aqui no Brasil, especialmente em São Paulo, também entre os latifundiários, o chamado humanismo já
tinha encontrado seus defensores. No mínimo, se consideravam culturalmente tão evoluídos quanto os
ingleses e franceses e por isso queriam abolir a escravidão. Quando cheguei aqui [em 1879], a escravidão ainda existia. Mas, como eles não mais teriam escravos, passaram a não ter mais trabalhadores para as suas plantações de café. E eles estavam acostumados a essa sua boa vida de senhores. Mas e agora? Foi por isso que eles não queriam abolir a escravidão tão rapidamente.

Então, eles enviaram agentes para a Europa, para recrutar pessoas livres para os contratarem como “meieiros”, isso é, metade do que eles iriam produzir deveria pertencer a eles e a outra metade pertenceria aos proprietários das terras, os quais também lhes forneceriam moradia e alimentação, ou então lhes cederiam terras em quantidade suficiente, para também poderem produzir alimentos para seu próprio sustento.

Então, eles enviaram agentes para a Europa, para recrutar pessoas livres para os contratarem como “meieiros”, isso é, metade do que eles iriam produzir deveria pertencer a eles e a outra metade pertenceria aos proprietários das terras, os quais também lhes forneceriam moradia e alimentação, ou então lhes cederiam terras em quantidade suficiente, para também poderem produzir alimentos para seu próprio sustento.

Nota do Tradutor: “A inviabilidade da “parceria”
acabou fazendo com que os colonos que
trabalhavam na fazenda Ibicaba, principal
propriedade do senador Campos Vergueiro,
acabassem se revoltando. Liderados por Thomas
Davatz, líder religioso da comunidade de
imigrantes, os europeus viram esperanças em se
tornarem pequenos e médios proprietários. O
incidente na fazenda Ibicaba acabou fazendo o
império remodelar as relações entre os grandes
proprietários e os imigrantes.”
Veja mais em: brasilescola.uol.com.br/historiab/revolta-ibicaba.html

Na Pomerânia, para as pessoas empobrecidas, tais condições se mostraram muito tentadoras. Eles procuraram reunir o máximo possível em dinheiro, para poderem chegar o mais rápido possível nesse paraíso. Finalmente, aqueles que sobreviveram a essa, na época ainda tão perigosa viagem marítima, chegaram a São Paulo.

Eles tiveram uma calorosa recepção, pois todos demonstravam grande alegria diante destas pessoas fortes e bonitas. Entretanto, rapidamente eles se deram conta de que, mesmo não sendo exatamente escravos, dentro de um habitual sentido, também não eram homens livres; eles se encontravam totalmente subjugados pelos seus senhores, que pagavam o mínimo pelo seu trabalho, ao mesmo tempo em que cobravam o máximo por aquilo que lhes forneciam.

Logo foram se dando conta de que a sua situação na Pomerânia tinha sido bem melhor. Além disso, havia a língua desconhecida, a convivência com a população de cor (caboclos e afrodescendentes), o calor, a falta de escolas, a falta de igrejas, sem direito à visitação de outras pessoas. As datas festivas ficavam em dias completamente diferentes. Dificilmente se pode imaginar como tudo isso deve ter sido deprimente para essas pessoas ingênuas, como realmente são os pomeranos.

Alguns tentaram se libertar dessa situação e outros foram à procura por outros senhores. Não havia tais possibilidades, porque os donos das terras estavam muito unidos. Quando alguém fugia, era logo capturado por escravos negros, para os quais isto trazia uma alegria infernal: eram abusados e atormentados. E se eles se escondiam na floresta, eram caçados com cães, que por vezes os mordiam, eram chicoteados e presos. Eles sequer podiam resmungar, caso contrário, oh dor!

E o governo? O Governo Imperial naturalmente não aceitava essa situação. Mas aqui no estado, estes senhores tinham seu próprio governo. E se algo impróprio vazava para o Rio, esses cavalheiros sabiam como apresentar isso como algo inofensivo. Então, até mesmo as representações (diplomáticas) nada podiam fazer. Falava-se que os rumores ruins até chegaram aos ouvidos do Imperador. Mas nem mesmo ele conseguia melhorar a situação. Dizem que uns senhores da representação (diplomática) da Suíça secretamente e disfarçados, vieram a São Paulo e se depararam com uma situação pior do que aquela que os rumores haviam descrito. Não lembro dos seus nomes, mas acredito que tenha sido Tschudi e Avé
Lallemant. Eles apresentaram seu relatório ao Governo Imperial no Rio de Janeiro, o qual logo interveio energicamente, retirando os coitados de lá. Depois que, em 1859, os relatos desses representastes (diplomáticos) chegaram na Prússia, essa editou novas leis, proibindo a emigração para o Brasil.

Como esses alemães (assentados) em São Paulo tinham aprendido a cultivar, principalmente o café, o governo (imperial) do Rio mandou transferir aqueles que queriam sair (de São Paulo), para o mais longe possível, no Espírito Santo, para tentar ver se o café também cresceria por lá. Agora eles realmente estavam livres. Mas, o que eles tiveram que suportar nesses últimos anos! E quantos mais deles tinham ficado por lá?

Foi assim que pomeranos e suíços e também alguns saxões vieram para o Espírito Santo. Para mim é surpreendente como eles encontraram seu caminho nessas montanhas íngremes e rochosas, de até mil metros de altura. Se chegaram nesse país como pessoas pobres, agora passaram a ser ainda mais pobres, porém, tinham se tornado mais experientes, com uma visão mais ampla e mais livres, dentro do velho, genuíno e nobre sentido alemão. Como poderiam trabalhar nas terras dessas montanhas íngremes, que mais se assemelhavam a torres, para mim, até os dias de hoje continua um mistério. Mas as pessoas encontraram as suas soluções. Afinal, esses pomeranos não são tão fáceis de serem eliminados!

Nessas encostas e desfiladeiros eles simplesmente começaram a derrubar as florestas e providenciar sua alimentação, isto é, plantando milho e mandioca. Depois chegou o café. Eles foram buscar as sementes e plantas junto à população nativa que vivia nas terras baixas junto à costa litorânea. Naturalmente esse buscar sementes e plantas se constituía em viagens perigosas. Eram verdadeiras viagens de descobrimento. E ainda mais porque, naqueles tempos, os protestantes ainda eram considerados indivíduos perigosos, que supostamente teriam chifres do diabo. Dessa forma, quando os primeiros lá chegaram, logo as pessoas (brasileiros) com espanto perguntaram: “Onde estão os protestantes?” “Aqui, somos protestantes”, responderam. “Isso não é verdade, vocês se parecem conosco e não tem chifres”, retrucaram os brasileiros. Ao que os pomeranos responderam “Bem, não temos chifres, mas somos protestantes”. Depois disso logo se tornaram bons amigos. “Mas você nunca pode confiar neles, porque eles são ignorantes e fanáticos. Até me contaram, que alguns até desapareceram sem deixar rastros”.

Eles terminaram encontrando o seu caminho. Muitas vezes ainda sinto arrepios nos ossos, quando vejo as pessoas derrubando a mata nesses penhascos. Quando eles, depois de semanas de trabalho, terminavam limpando toda vegetação rasteira da selva, cortando taquaras, cipós, diferentes espécies de capins, para poderem chegar até o pé das árvores. Finalmente as batidas dos machados e gritos eufóricos podiam ser ouvidas.

Raramente caia uma única árvore isoladamente. Por vezes chegavam a cortar uma centena de diferentes árvores, em uma altura correspondente aos joelhos (das pessoas) e mesmo assim elas não caiam. Rangidos, como se fossem gemidos, partindo do toco até o alto das copas, repuxando e rasgando em todas as direções, Mas, as árvores não caiam. Os galhos das copas estavam tão presos uns aos outros pelo emaranhado que emitiam sons como se estivessem quebrando, mas não vinham abaixo. E antes que se pudesse perceber, como se passasse uma leve brisa em meio das copas, toda a massa verde começava a sacudir. Era um “Salve-se, quem puder.”

Agora, como se fosse um intenso assoprar, um assobiar se transformando em rugido, rasgando e rangendo, como que quebrando no ar, explodindo, como se fosse um violento trovão, esses gigantes da selva caiam no solo, como se tivessem quebrado seus membros e rasgados seus corpos. Depois, no chão, ainda gemendo por um longo tempo, deslizavam montanha abaixo. Ali jazem os gigantes daquela floresta orgulhosa com sua preciosa madeira, com milhares de flores, musgos, líquens de todos os tipos. Era o local onde outrora moravam os pássaros, as abelhas, as vespas, cobras e macacos. Tinham sido vencidos pelos homens desafortunados.

Ao contemplar tal massa daquela natureza mortalmente ferida, com muitas dúvidas, nos perguntamos: Teriam sido conquistados? Certamente que ainda não. Primeiro, terá que se atear fogo, para depois se poder dominar esses gigantes. Sem isso, iria-se morrer trabalhando. Porém, quando iniciava a época de chuvas, por semanas não haveria condições para se fazer a queima. Assim todo o trabalho poderia estar perdido. Em pouco tempo, a exuberante natureza tropical novamente iria cobrir todo a área desmatada com um novo emaranhado de vegetação, tornando quase impossível reverter o seu crescimento. O melhor será deixar tudo descansando até que galhos e folhas tivessem começado a se decompor. Assim o trabalho se tornaria mais fácil, porque, nesses ambientes tropicais, as folhagens sem vida iriam se desfazer muito mais rapidamente.

Graças a Deus, ninguém se machucou! Mas certa vez chegou a acontecer. August Neumann fraturou pernas, braços e costelas e o Friedrich Wendler ao tentar evitar a queda de uma árvore, teve seu crânio esmagado, porque essa teve a direção da sua queda desviada por um amaranhado de cipós. Ao se palpar o crânio, notava-se um crepitar como se fosse palpar cacos de vidro. Um outro chegou a ficar preso debaixo de um tronco de árvore e morreu pouco tempo depois.

Segue na próxima edição da FP.

NT.: Por se tratar de um texto escrito há mais de 130 anos, não há imagens para serem inseridas.

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