Coluna – O desafiador novo ciclo do ídolo paralímpico Antônio Tenório

Publicado em 29/11/2021 às 19:21

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© Matsui Mikihito/CPB/Direitos Reservados


Foram 18 dias internado, entre março e abril, devido ao novo coronavírus (covid-19), boa parte em uma unidade de terapia intensiva (UTI) e com 80% do pulmão comprometido. Duas semanas após sair do hospital, Antônio Tenório já retomou os treinos e pouco depois viajou para competir em Baku (Azerbaijão) e Warwick (Reino Unido), pensando na Paralimpíada de Tóquio (Japão). Apenas agora, passado o evento em solo japonês, o maior nome do judô paralímpico brasileiro enfim conseguiu iniciar para valer o tratamento pós-covid.

“Tenho feito treinos leves na minha academia, até a recuperação total. Diria que estou nos meus 50%, 60%”, relatou o judoca à Agência Brasil.

Dono de seis medalhas paralímpicas, sendo quatro de ouro, uma de prata e uma de bronze, Tenório bateu na trave na busca pela sétima conquista. Superado na semifinal da categoria até cem quilos pelo norte-americano Ben Goodrich, ele derrotava o uzbeque Sharif Khalilov por um wazari (golpe em que o atleta é derrubado com parte das costas no tatame) até três segundos para o fim do combate pelo bronze, quando também levou um wazari. A disputa acabou no golden score (ponto de ouro), onde foi derrotado.

“Fiquei muito orgulhoso do desempenho [na Paralimpíada], mas só isso não basta. Se tivesse vindo com a medalha, não estaria desempregado”, lamentou o brasileiro.

Aos 51 anos, Tenório se vê apto a competir nos Jogos de Paris (França). O primeiro desafio pós-Tóquio será o Grand Prix de Judô Paralímpico, em dezembro, no Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo. Um bom desempenho será fundamental para ele ser novamente convocado para integrar a seleção nacional da modalidade, o que o auxiliaria na busca por patrocínios que o mantenham na briga por vaga em 2024.

O novo ciclo, porém, terá uma diferença fundamental. Atletas com deficiência visual total (classe B1, que passa a se chamar J2) competirão separadamente daqueles com baixa visão (classes B2 e B3, agora somente J1). Por outro lado, algumas separações por peso foram suprimidas. Cada classe terá quatro categorias. Antes, ao todo, eram sete para homens e seis para mulheres. O novo sistema vale a partir de 2022. Com isso, o Grand Prix deste ano ainda será no modelo antigo.

Um estudo iniciado em 2016 por cientistas da Universidade Livre de Amsterdã (Holanda) norteou as mudanças. Ele foi baseado na consultoria de atletas (em atividade e aposentados), técnicos e dirigentes e outras cinco análises: duas sobre impactos da deficiência visual nos combates e três a respeito de performance esportiva. A Federação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA, na sigla em inglês) estabeleceu um comitê para implantar as modificações.

As principais conclusões dos estudos foram que o comprometimento visual impacta a performance no tatame, mesmo que os atletas iniciem o combate com a pegada no quimono um do outro (que é um diferencial do judô paralímpico, na comparação com o convencional) e que há desvantagem para os judocas com deficiência visual mais severa em lutas contra rivais que, por exemplo, enxergam vultos. A separação entre competidores completamente cegos e aqueles com baixa visão foi uma das recomendações.

Tenório se encaixa na antiga classe B1 (agora J2) e ficou totalmente cego aos 19 anos devido a uma infecção no olho direito. Ele já havia perdido a visão do olho esquerdo aos 13 anos, atingido por uma semente de mamona, que descolou a retina. O judoca reconhece que atletas que conseguem definir vultos ou imagens levam alguma vantagem sobre atletas como ele, e cita a derrota na luta pelo bronze em Tóquio. O uzbeque que o superou no Japão era um B3, classe de menor comprometimento visual.

“Se ele não enxergasse [um pouco], não teria me achado”, avaliou Tenório, que ponderou: “Um B1 bem treinado faz frente contra um B2 ou B3 tranquilamente. Um B3, que já aprende enxergando, é diferente [de atletas que aprendem judô cegos]. Eu sempre fui B1, mas já treinava quando fiquei deficiente visual, então não sinto muita diferença [de lutar contra alguém com baixa visão]”.

O brasileiro será, evidentemente, impactado pelas mudanças, já que passará a combater apenas com judocas cegos, como ele. Tenório, porém, crê que a redução de categorias, como consequência da separação das classes, mais atrapalha do que auxilia. No masculino restaram quatro divisões: até 60 quilos, até 73 quilos, até 90 quilos e acima de 90 quilos. As do feminino são: até 48 quilos, até 57 quilos, até 70 quilos e acima de 70 quilos.

“Da forma como foi feito, não traz vantagem para o B1, pois mataram três categorias. Inclusive a minha [até cem quilos]. Uma pessoa [pouco acima] de 60 quilos pode ter que lutar com alguém de 73 quilos. Ou alguém de 90 quilos enfrentar alguém com mais de cem. Não é justo, pois você acaba competindo com alguém mais forte fisicamente. Se as sete categorias [do masculino] fossem mantidas, seria mais justo. Imagina o campeão da minha categoria [o britânico Chris Skelley, que é B2] tendo que enfrentar o georgiano [Revaz Chikoidze, prata em Tóquio na categoria acima de cem quilos, também B2], com quase 180 quilos? Por mais técnico que o judoca seja, é impossível”, analisou Tenório.

Neste momento, o tetracampeão competiria entre atletas acima de 90 quilos, onde teria como rival o compatriota Willians Araújo, prata na Paralimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, que já disputava com judocas com mais de cem quilos. O jeito seria Tenório, atualmente na casa dos cem quilos, ganhar massa para rivalizar com adversários mais pesados ou emagrecer para menos 90 quilos e descer de categoria.

“Na minha idade, ficar com 120 ou 130 quilos seria prejudicial a minha saúde. Não daria certo. Já consegui em 2015 abaixar para 90 quilos. Não seria impossível, mas precisaria de qualidade de treino e apoio”, finalizou.

Edição: Fábio Lisboa

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