Arte, Crônicas e Poesia
CARTA AOS QUE JÁ SE FORAM
Publicado em 12/09/2022 às 13:15
Hoje, acordei reflexivo, um sentimento diferente; veio-me à mente meus antepassados: tataravós, bisavós e avós…
Meus tataravós, não conheci. Meus bisavós falavam a respeito! Frutos de um Brasil escravista, um amargo de tristeza pairava nos olhos de meus bisavós (década de setenta).
Eu percebia nos objetos guardados em um baú de madeira, vestígios desta época de dor e sofrimento, mas de luta também.
Meus bisavós, assim tratados com carinho: Vô Chico, Padim Niquim, Vó Tereza e Vó Figena.
Quanto carinho dispensado em abraços e beijos! Como querendo dizer: “Meus filhos, nós estamos lutando por dias vindouros, tenham fé e lutem sem cessar!”
Meus bisavôs lembravam aqueles homens pós- abolição, nas vestimentas e mãos calejadas e olhares perdidos num Brasil de desigualdades.
Minhas bisavós, exímias cozinheiras, com pratos adaptados de uma época de privações e escassez, porém deliciosos.
Meu avô, Wanil, trabalhava na indústria. Na minha inocência de criança, achava que ele era rico, em sua casa todos comiam com fartura: era o poder da multiplicação que eu ouvia falar, que Jesus Cristo fazia… Na casa do Vô Wanil não era diferente, um Jesus negro que se multiplicava com suor e cansaço para a multiplicação acontecer…
Vô Padim Velho, fruto da miscigenação, de pele mais clara, escurecida pelo sol e as rugas que pareciam exprimir a luta e adversidades de um êxodo rural que o atingiu; deixando-o perdido, como o povo hebreu no deserto.
Minhas avós Terezinha e Dona Dina, com mãos hábeis, eram responsáveis pela multiplicação dos frutos que eram obtidos pelos avôs.
Quantas privações e preconceitos eles vivenciaram de uma maneira mais cruel!!! Porém, que se transformou em forças para gerações posteriores!
Hoje olho para meus filhos, pelo que somos como cidadãos e trabalhadores e digo: Nada seríamos sem esses homens e mulheres que não estão mais entre nós, mas seu legado continua.
Perdoem-me, eu poderia ter sido melhor, ter me esforçado mais… Mas em certos momentos de minha vida, me perdi, esqueci aqueles olhares e abraços, não tive a força e a coragem que vocês me ensinaram…
Vô Niquim, Chico, Wanil e Padim Velho! Vó Tereza, Dina, Terezinha e Figena, (in memorian) ter vivido ao seu lado foi uma honra e lembrar de vocês revigora minhas forças.
Que os laços que nos unem sejam eternos
Noel Silva Pereira
14/02/2016
Sobre o autor:
Noel Silva Pereira
Graduado em Geografia pela Universidade Camilo Castelo Branco (Unicastelo)
Estudante de Pedagogia na “Universidade Campos Elísios”
Professor de Geografia da rede pública do Estado de São Paulo
Leciona na Escola Estadual Professora Ignês Corrêa Allen, em Ferraz de Vasconcelos – SP
Este espaço é dedicado a todos os escritores, fotógrafos, pintores, escultores e artistas da região das montanhas capixabas.
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