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Arte, Crônicas e Poesia

BOA CONSTRICTOR AMARALI

Publicado em 09/08/2021 às 13:17

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Ceci é uma das socialites mais badaladas da serra capixaba. Seu nome é celebrado nas colunas sociais. Viúva e herdeira de um império da comercialização do café, esbanja beleza e excentricidade. Sua vida é um enigma que ninguém consegue decifrar. Nem ela permite que ninguém ouse tentar. Mistérios que se escondem nas neblinas do passado…

Na juventude, Ceci foi entusiasta da cultura hippie em uma época na qual isso era um tabu em Santa Teresa. Linda e jovem, namorou muitos dos melhores partidos de sua época. Não pretendia casar-se, mas acabou sendo convencida por Célio, um playboy da elite capixaba. O rapaz era herdeiro de uma das maiores empresas de compra e venda de café do Brasil. Temendo uma velhice solitária, Ceci aceitou o pedido.        

Casou-se vestida de ninfa, o que escandalizou a sociedade presente. Mas tudo estava tão perfeito, tão impressionantemente decorado com milhares de flores, que o encantamento sufocou o escândalo. Sem falar das iguarias da culinária italiana e do melhor vinho da região!!!

Ao final da festa, ambos haviam bebido muito e foi difícil para o noivo dirigir o Oldsmobile 442 preto até o Chalé do Caravaggio.  A velha criada deixara tudo preparado para a noite de núpcias do casal. Devido à embriaguez, e também porque já se conheciam (no sentido bíblico) há muito, somente trocaram a roupa e dormiram.

De madrugada, Ceci sentiu uma leve e quente sucção no dedão do pé esquerdo. Estranhou. Ele nunca tinha feito isso. Aquela sucção foi provocando intenso calor em seu corpo. Um calor que a incendiou. Seria efeito do vinho ou estava sonhando?

De repente, uma extremidade carnosa, fina e fria percorreu o seu corpo dos calcanhares até o pescoço… Um arrepio de prazer a transtornou. Como Célio poderia continuar chupando-lhe o dedão com uma boca tão quente e ainda percorrer-lhe todo o corpo com uma língua tão fria?

Um grito de horror atravessou a noite! Os recém-casados levantaram-se e acenderam as luzes a tempo de ver uma enorme jiboia escapar pela janela entreaberta.

Horrorizados, refugiaram-se no carro e lá passaram a noite. Era julho e o frio era intenso. Abraçaram-se para espantar o medo e a baixa temperatura. Ao amanhecer, resolveriam o problema. Chamariam os peões, caçariam o enorme ofídio e o matariam. Era só esperar amanhecer. Célio conseguiu dormir. Ceci, não. Os seus sentidos estavam longe, rastejando pela relva, pelos labirintos da mata, subindo em árvores. Já não sentia mais os braços nem as pernas. Só o arrastar interminável.

Ao amanhecer, foram encontrados dentro do carro. Célio estava morto. A autópsia atestou um infarto. Ceci estava desacordada, mas viva. Viva, fria, ofídica, viúva, enigmática e rica.

Outra Ceci, a libertária, arrasta-se na mata para sempre.

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