Arte, Crônicas e Poesia
Ano Novo, vida nova?
Publicado em 07/01/2025 às 17:02
Priscila Aquino
A cada virada de ano, somos invadidos por um misto de otimismo e determinação. A ideia de que, ao passar de 31 de dezembro para 1º de janeiro, tudo se transforma é tão popular quanto o próprio simbolismo das resoluções de Ano Novo. Prometemos a nós mesmos que seremos diferentes, que mudaremos aspectos questionáveis da nossa vida, que conquistaremos aquilo que até então parecia impossível. O clichê “ano novo, vida nova” se torna o mantra que nos permite acreditar que a mudança está ao alcance de nossas mãos. Mas, afinal, o que realmente muda? Em uma sociedade que valoriza o sucesso rápido e as transformações instantâneas, somos o tempo todo bombardeados pela ideia de que a mudança é algo que pode ser conquistado de maneira simples. Basta querer, traçar metas, fazer listas de resoluções e esperar que o universo, ou nossa própria força de vontade, esforço e merecimento, se encarreguem do resto.
Porém, a verdade é que a mudança que esperamos não acontece apenas por conta de um desejo. A crença de que “basta querer” pode ser um dos maiores retrocessos no processo de transformação. Ela nos faz acreditar que a mudança é algo que surge da noite para o dia, sem considerar a complexidade dos fatores internos e externos que influenciam nossas escolhas e ações. Ao buscarmos resultados diferentes, precisamos estar dispostos a agir de maneira diferente. Mas isso não é uma tarefa simples, pois envolve uma série de desafios, que muitas vezes não estão sob nosso gerenciamento.
Se por um lado, somos levados a lidar com as nossas próprias limitações, com a resistência ao novo e com alguns padrões de comportamento que muitas vezes estão enraizados em nosso subconsciente há tanto tempo, que já nos moldaram, por outro lado, romper com esses padrões exige muito esforço, disciplina e, sobretudo, perseverança e constância, que não podem se limitar aos primeiros dias do ano, mas que devem ser cultivadas no decorrer de todo o ano.
Externamente, o meio em que vivemos se impõe sobre com uma força que não pode ser ignorada. As condições sociais, econômicas e familiares muitas vezes determinam nossas escolhas e podem dificultar o processo de mudança. Em um mundo marcado pela desigualdade, por crises econômicas e pela escassez de recursos, a transformação pessoal esbarra nas barreiras de contextos diversos nos quais somos inseridos. O simples ato de querer mudar não basta se o ambiente ao redor não favorece esse desejo. A ideia de que tudo se resolverá com o começo de um novo ano esbarra no confronto com a realidade. O idealismo que nos move no início de janeiro entra em choque com as dificuldades do cotidiano, com a pressão do tempo, com o cansaço e com a falta de resultados imediatos. Essa ideia de uma “vida nova” muitas vezes se desfaz diante dos desafios diários, que não obedecem aos planos que fizemos. Uma das partes mais difíceis do processo de mudança é a imposição da realidade, nua e crua, que embora nem sempre seja agradável, é essencial para equilibrar as expectativas. A ideia de que nem tudo será como planejamos é um do importante aprendizado que o processo de transformação nos oferece e, de certa forma, nos prepara para os possíveis fracassos temporários e para as adversidades imprevistas que nos aguardam. Compreender isso não significa desistir, mas nos leva a ajustar a rota e entendendo que o caminho pode não ser tão linear no mundo real, quanto no campo das ideias.
Muitas vezes, os obstáculos externos podem se sobrepor aos nossos processos internos. Quando isso acontece somos tentados a acreditar que o problema está em nós e em nossa incapacidade de agir. Nos cobramos por algo que está além de nossa gestão e essa “culpa” pode nos trazer sentimentos indesejados como frustração, desânimo e até paralisia. Portanto, é preciso reconhecer que, por mais que o esforço individual seja importante para alcançarmos o tão esperado “feliz Ano Novo”, o contexto em que estamos inseridos e as condições que nos cercam têm um peso significativo nos resultados que podemos entregar.
O Ano Novo pode até ser o ponto de partida para reflexões e ações significativas, mas a ideia de que uma simples mudança de calendário pode trazer uma vida nova é uma ilusão perigosa. A transformação verdadeira exige muito mais do que vontade. Ela exige autoconhecimento, disciplina, paciência e capacidade de lidar com os conflitos internos e interferências externas que surgem no caminho. A vida não segue o ritmo das nossas expectativas, e muitas vezes precisamos nos adaptar aos imprevistos e estamos dispostos a fazer a diferença ao invés de apenas esperar por ela, pois, é justamente por meio desse processo contínuo de adaptação, resiliência e aprendizado que encontremos a verdadeira “vida nova” e suas compensações.