Agricultores apreensivos sobre possível cobrança pelo uso de água
Publicado em 30/03/2018 às 19:57
Uma possível cobrança pelo uso de água em propriedades rurais no Espírito Santo tem causado indignação e insatisfação dos agricultores. Durante o mês de fevereiro e início de março, reuniões realizadas para debater o tema foram marcadas por revolta dos participantes.
Essas consultas públicas do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH|ES) foram realizadas pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). Nesses encontros foram apresentados e discutidos com a sociedade os resultados do Prognóstico dos Recursos Hídricos, que consiste na elaboração de cenários futuros sobre as disponibilidades de água no Espírito Santo.
De acordo com representantes da Agerh, “o Prognóstico foi elaborado com base em um amplo estudo sobre a situação hídrica capixaba”. As consultas públicas foram realizadas nas cidades de Marechal Floriano, Alegre, Colatina e São Mateus. Em cada encontro, participaram representantes de diversos municípios que integram as bacias hidrográficas regionais.
O PERH|ES visa estabelecer diretrizes para a gestão da água no Espírito Santo nos próximos 20 anos, além de orientar ações, projetos e programas voltados para o desenvolvimento econômico, social e ambiental, tendo em vista a disponibilidade hídrica em cada uma das 14 bacias capixabas.
A elaboração do PERH|ES teve início em janeiro de 2017 e a expectativa é que o documento seja concluído no próximo mês de julho. Entretanto, representantes políticos, de entidades organizadas, da sociedade civil, empresários e agricultores discordam de vários pontos apresentados.
O Plano está sendo elaborado pela Agerh, com apoio técnico do Consórcio NKLac/COBRAPE, formado pela empresa japonesa Nippon Koei Lac e pela Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (COBRAPE), do Rio Grande do Sul.
Refletindo o pensamento de praticamente todos os agricultores, Herbet Subtil Fraga, 59 anos, o Hebinho, de Soído de Baixo, Marechal Floriano, defende o pagamento para quem produz água nas propriedades. Hebinho dá o exemplo de que é possível produzir alimentos e muita água.
“Quando meu pai comprou essa propriedade eu tinha 19 anos. Desde aquela época eu já comecei a preservar. Havia locais totalmente degradados na nossa propriedade. Hoje produzo 180 mil litros de água por dia, e isso só é possível com muita preservação”, contou.
Atualmente ele produz mais de 2,5 mil quilos de peixe por mês em seus tanques, banana, gado e outros produtos e criações. “É um absurdo a possibilidade de cobrança de água dos agricultores. Tínhamos que receber pela água que produzimos. Não temos nenhum apoio e ainda querem nos cobrar. Eu não permito nenhuma cobrança pela água em minha propriedade”, afirmou.
Argumentos contra a cobrança de água tomam conta de encontro
Durante o encontro realizado em Marechal Floriano, que reuniu dezenas de representantes de diversos municípios da região, os discursos de revolta contrários a diversos pontos do Plano, principalmente à possibilidade de cobrança dos agricultores pelo uso da água, tomaram conta do evento.
“O agricultor familiar deve receber por produzir água, não ser cobrado. O que deve ser feito é melhorar o sistema de irrigação e usar tecnologia para o uso cada vez menor de água nas lavouras. Mas a cobrança da água dos agricultores é inadmissível”, comentou o extensionista do Incaper, Ubaldino Saraiva.
O secretário de Agropecuária do município de Santa Maria de Jetibá e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, Egnaldo Andreatta, também se posicionou contra a cobrança de água para os pequenos agricultores.
“Dizem que a cobrança é irrisória. Pode ser hoje, mas daqui a algum tempo pode corresponder a um carro por ano, não teremos essa segurança. Nós, produtores rurais, temos que ter consciência de que somos produtores e preservadores de água”, destacou.
Representantes da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Espírito Santo (Fetaes) são contra qualquer tipo de cobrança pela água, pois alegam que a água não pode ser considerada uma mercadoria. “Os agricultores precisam de mais incentivos do governo, não serem cobrados pela água que eles consomem. Não vamos sentar com o governo para discutir esse tema”, disse a secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Fetaes, Augusta Búffolo.
O produtor rural Jandir Gratieri, de São Bento de Urânia, em Alfredo Chaves, cobrou mais apoio aos agricultores do Estado. “É preciso que a sociedade participe de todos os processos que podem impactar diretamente o meio rural. Não podemos ser obrigados a engolir de goela abaixo o que os políticos decidem em seus gabinetes. É preciso mais planejamento nas ações”, argumentou.
Jandir comentou que é preciso que o poder público incentive boas práticas agrícolas, como o melhor uso hídrico e a manutenção das águas das chuvas nas propriedades, por meio de construções de caixas secas. “O que se sabe fazer é patrolar as estradas. Quando chove, a terra vai toda para os mananciais. É preciso de mais planejamento”, disse.
Diagnóstico é questionado
O diagnóstico que baliza o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH|ES) teve diversas críticas e questionamentos. O engenheiro agrônomo e pesquisador César Abel Krohling, de Marechal Floriano, disse que é praticamente impossível prever a quantidade de chuva para os próximos anos, como prevê o Plano.
“Tudo que se prevê para 2038, como está no Plano, é só por meio de métodos estatísticos. Eu desafio qualquer instituto do Brasil a me afirmar quantos milímetros vai chover na próxima semana aqui no município. Prever o que vai acontecer, por meio de métodos matemáticos, é impossível”, garante.
Entretanto, Krohling alerta para a importância da economia de água. “Realmente temos que levar em consideração que a água é um bem escasso, e hoje a disponibilidade é bem menor que anos atrás, pois tivemos aumento da população e de grandes empresas”, destacou.
Comitê afirma que cobrança pela água é constitucional
O presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) do Rio Jucu, Hélio de Castro, explicou que a cobrança pelo uso da água é constitucional. “Existe a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída em 1990, quando foram criados os instrumentos de gestão para o uso das águas. No Espírito Santo, em 1998, foi aprovada pelos deputados estaduais, essa legislação para o Estado. O que estamos fazendo hoje é o que está na lei”, segundo ele, a cobrança pela água foi decidida pelos comitês das bacias hidrográficas do Estado.
“Não é o governo que está cobrando pela água, os comitês das bacias hidrográficas é que decidiram isso. Essa discussão será feita nos comitês. Esse diagnóstico é responsabilidade constitucional do Estado fazer. É um documento estratégico que vai dimensionar, em curto, médio e longo prazo, o que o Estado vai fazer para cuidar da água”, informou Hélio.
Segundo ele, caberá aos comitês discutirem esse assunto. “Não temos na legislação outra possibilidade. Se não discutirmos esse assunto logo, podemos chegar a um ponto muito mais complicado. Ou se muda a legislação, o que é muito mais difícil, ou discutimos dentro dos comitês”, sugeriu.
Governo nega intenção de cobrar pela água de agricultores
Apesar de todo o debate em torno do tema e do diagnóstico elaborado pelo governo estadual, o diretor de Infraestrutura de Reservação e Distribuição Hídrica da Agerh, Anselmo Tozi, afirmou que o governo não quer cobrar pela água de agricultores.
“A lei determina a cobrança, para que os comitês deem conta de uma série de ações. O governo concorda com as cobranças do saneamento e das indústrias. O restante da discussão é feita nos comitês”, afirmou.
A coordenadora técnica do PERH, Monica Amorim, complementa a afirmação de Tozi. “A cobrança é um instrumento que é discutido no âmbito de cada comitê de bacia. São os comitês que irão definir se haverá cobrança na bacia e quais usuários serão cobrados, além dos valores e dos critérios de cobrança. O PERH|ES traz diretrizes para os instrumentos de gestão, mas não cabe a ele fazer nenhuma deliberação sobre a cobrança, o que é feito dentro dos comitês, com a participação de todos os segmentos que neles estão representados”, frisa.
Monica Amorim ressalta que, com base nas bacias hidrográficas onde a cobrança já foi implantada, o que se pode observar é que os principais pagadores são os setores industrial e de saneamento. “Como é o próprio comitê quem toma a decisão de quais ações serão executadas e custeadas com os recursos da cobrança, vemos que muitas dessas ações contemplam justamente a adequação das propriedades rurais, o reflorestamento, a preservação e recuperação de nascentes, entre outros programas direcionados para as áreas agrícolas e que geram benefícios para os próprios agricultores”, destaca.
Sugestões – A população também pode apresentar contribuições ao Prognóstico do PERH|ES no site: www.perh.es.gov.br, onde também será possível conferir na íntegra o estudo, bem como o andamento do processo de construção do Plano
Agricultores apreensivos sobre possível cobrança pelo uso de água
Julio Huber
Uma possível cobrança pelo uso de água em propriedades rurais no Espírito Santo tem causado indignação e insatisfação dos agricultores. Durante o mês de fevereiro e início de março, reuniões realizadas para debater o tema foram marcadas por revolta dos participantes.
Essas consultas públicas do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH|ES) foram realizadas pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). Nesses encontros foram apresentados e discutidos com a sociedade os resultados do Prognóstico dos Recursos Hídricos, que consiste na elaboração de cenários futuros sobre as disponibilidades de água no Espírito Santo.
De acordo com representantes da Agerh, “o Prognóstico foi elaborado com base em um amplo estudo sobre a situação hídrica capixaba”. As consultas públicas foram realizadas nas cidades de Marechal Floriano, Alegre, Colatina e São Mateus. Em cada encontro, participaram representantes de diversos municípios que integram as bacias hidrográficas regionais.
O PERH|ES visa estabelecer diretrizes para a gestão da água no Espírito Santo nos próximos 20 anos, além de orientar ações, projetos e programas voltados para o desenvolvimento econômico, social e ambiental, tendo em vista a disponibilidade hídrica em cada uma das 14 bacias capixabas.
A elaboração do PERH|ES teve início em janeiro de 2017 e a expectativa é que o documento seja concluído no próximo mês de julho. Entretanto, representantes políticos, de entidades organizadas, da sociedade civil, empresários e agricultores discordam de vários pontos apresentados.
O Plano está sendo elaborado pela Agerh, com apoio técnico do Consórcio NKLac/COBRAPE, formado pela empresa japonesa Nippon Koei Lac e pela Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (COBRAPE), do Rio Grande do Sul.
Refletindo o pensamento de praticamente todos os agricultores, Herbet Subtil Fraga, 59 anos, o Hebinho, de Soído de Baixo, Marechal Floriano, defende o pagamento para quem produz água nas propriedades. Hebinho dá o exemplo de que é possível produzir alimentos e muita água.
“Quando meu pai comprou essa propriedade eu tinha 19 anos. Desde aquela época eu já comecei a preservar. Havia locais totalmente degradados na nossa propriedade. Hoje produzo 180 mil litros de água por dia, e isso só é possível com muita preservação”, contou.
Atualmente ele produz mais de 2,5 mil quilos de peixe por mês em seus tanques, banana, gado e outros produtos e criações. “É um absurdo a possibilidade de cobrança de água dos agricultores. Tínhamos que receber pela água que produzimos. Não temos nenhum apoio e ainda querem nos cobrar. Eu não permito nenhuma cobrança pela água em minha propriedade”, afirmou.
Argumentos contra a cobrança de água tomam conta de encontro
Durante o encontro realizado em Marechal Floriano, que reuniu dezenas de representantes de diversos municípios da região, os discursos de revolta contrários a diversos pontos do Plano, principalmente à possibilidade de cobrança dos agricultores pelo uso da água, tomaram conta do evento.
“O agricultor familiar deve receber por produzir água, não ser cobrado. O que deve ser feito é melhorar o sistema de irrigação e usar tecnologia para o uso cada vez menor de água nas lavouras. Mas a cobrança da água dos agricultores é inadmissível”, comentou o extensionista do Incaper, Ubaldino Saraiva.
O secretário de Agropecuária do município de Santa Maria de Jetibá e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, Egnaldo Andreatta, também se posicionou contra a cobrança de água para os pequenos agricultores.
“Dizem que a cobrança é irrisória. Pode ser hoje, mas daqui a algum tempo pode corresponder a um carro por ano, não teremos essa segurança. Nós, produtores rurais, temos que ter consciência de que somos produtores e preservadores de água”, destacou.
Representantes da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Espírito Santo (Fetaes) são contra qualquer tipo de cobrança pela água, pois alegam que a água não pode ser considerada uma mercadoria. “Os agricultores precisam de mais incentivos do governo, não serem cobrados pela água que eles consomem. Não vamos sentar com o governo para discutir esse tema”, disse a secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Fetaes, Augusta Búffolo.
O produtor rural Jandir Gratieri, de São Bento de Urânia, em Alfredo Chaves, cobrou mais apoio aos agricultores do Estado. “É preciso que a sociedade participe de todos os processos que podem impactar diretamente o meio rural. Não podemos ser obrigados a engolir de goela abaixo o que os políticos decidem em seus gabinetes. É preciso mais planejamento nas ações”, argumentou.
Jandir comentou que é preciso que o poder público incentive boas práticas agrícolas, como o melhor uso hídrico e a manutenção das águas das chuvas nas propriedades, por meio de construções de caixas secas. “O que se sabe fazer é patrolar as estradas. Quando chove, a terra vai toda para os mananciais. É preciso de mais planejamento”, disse.
Diagnóstico é questionado
O diagnóstico que baliza o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH|ES) teve diversas críticas e questionamentos. O engenheiro agrônomo e pesquisador César Abel Krohling, de Marechal Floriano, disse que é praticamente impossível prever a quantidade de chuva para os próximos anos, como prevê o Plano.
“Tudo que se prevê para 2038, como está no Plano, é só por meio de métodos estatísticos. Eu desafio qualquer instituto do Brasil a me afirmar quantos milímetros vai chover na próxima semana aqui no município. Prever o que vai acontecer, por meio de métodos matemáticos, é impossível”, garante.
Entretanto, Krohling alerta para a importância da economia de água. “Realmente temos que levar em consideração que a água é um bem escasso, e hoje a disponibilidade é bem menor que anos atrás, pois tivemos aumento da população e de grandes empresas”, destacou.
Comitê afirma que cobrança pela água é constitucional
O presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) do Rio Jucu, Hélio de Castro, explicou que a cobrança pelo uso da água é constitucional. “Existe a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída em 1990, quando foram criados os instrumentos de gestão para o uso das águas. No Espírito Santo, em 1998, foi aprovada pelos deputados estaduais, essa legislação para o Estado. O que estamos fazendo hoje é o que está na lei”, segundo ele, a cobrança pela água foi decidida pelos comitês das bacias hidrográficas do Estado.
“Não é o governo que está cobrando pela água, os comitês das bacias hidrográficas é que decidiram isso. Essa discussão será feita nos comitês. Esse diagnóstico é responsabilidade constitucional do Estado fazer. É um documento estratégico que vai dimensionar, em curto, médio e longo prazo, o que o Estado vai fazer para cuidar da água”, informou Hélio.
Segundo ele, caberá aos comitês discutirem esse assunto. “Não temos na legislação outra possibilidade. Se não discutirmos esse assunto logo, podemos chegar a um ponto muito mais complicado. Ou se muda a legislação, o que é muito mais difícil, ou discutimos dentro dos comitês”, sugeriu.
Governo nega intenção de cobrar pela água de agricultores
Apesar de todo o debate em torno do tema e do diagnóstico elaborado pelo governo estadual, o diretor de Infraestrutura de Reservação e Distribuição Hídrica da Agerh, Anselmo Tozi, afirmou que o governo não quer cobrar pela água de agricultores.
“A lei determina a cobrança, para que os comitês deem conta de uma série de ações. O governo concorda com as cobranças do saneamento e das indústrias. O restante da discussão é feita nos comitês”, afirmou.
A coordenadora técnica do PERH, Monica Amorim, complementa a afirmação de Tozi. “A cobrança é um instrumento que é discutido no âmbito de cada comitê de bacia. São os comitês que irão definir se haverá cobrança na bacia e quais usuários serão cobrados, além dos valores e dos critérios de cobrança. O PERH|ES traz diretrizes para os instrumentos de gestão, mas não cabe a ele fazer nenhuma deliberação sobre a cobrança, o que é feito dentro dos comitês, com a participação de todos os segmentos que neles estão representados”, frisa.
Monica Amorim ressalta que, com base nas bacias hidrográficas onde a cobrança já foi implantada, o que se pode observar é que os principais pagadores são os setores industrial e de saneamento. “Como é o próprio comitê quem toma a decisão de quais ações serão executadas e custeadas com os recursos da cobrança, vemos que muitas dessas ações contemplam justamente a adequação das propriedades rurais, o reflorestamento, a preservação e recuperação de nascentes, entre outros programas direcionados para as áreas agrícolas e que geram benefícios para os próprios agricultores”, destaca.
Sugestões – A população também pode apresentar contribuições ao Prognóstico do PERH|ES no site: www.perh.es.gov.br, onde também será possível conferir na íntegra o estudo, bem como o andamento do processo de construção do Plano.