Coluna Pomerana
Aculturação Pomerana e a “formação” do pomerano brasileiro
Publicado em 15/02/2022 às 11:47
Antes de se analisar o tema, será preciso lembrar, quem eram os pomeranos que aqui chegaram. Não se trata de fazer definições étnicas, ou de levantamento de questões históricas. Simplesmente se quer saber quem eram as pessoas que aqui aportaram. Eram camponeses vindos da antiga Pomerânia, em sua grande maioria analfabetos, que por lá tinham vivenciado um processo de crescimento populacional nunca antes visto e de fome. Isso tinha gerado um deslocamento de centenas de milhares de pessoas, primeiro do campo para os muitos cortiços no entorno das cidades e depois na sua integração às novas rotas migratórias, engrossando o fluxo de “transbordamento” humano em direção a um sonhado mundo melhor, na América do Norte, para a Austrália, Brasil, África do Sul, Chile, América Central e outros.
A emigração para a América do Norte já aconteceu de 1680-1760, mas o ano oficial da imigração pomerana é 1835. Para a Austrália foi em meados de 1840, para o Brasil, a partir de 1 de novembro de 1857, para Colônia Santo Ângelo (Atual Agudo/RS); para a África do Sul, para trabalhar nas minas de diamantes da Namíbia, a partir de 1877; para o arquipélago de Chiloé no Chile imigraram a partir de 1820; e para a América Central (Guatemala e Nicarágua), a partir de 1850, onde foram trabalhar nas lavouras de tabaco, café, açúcar e algodão.
Apesar de não se ter números exatos do total de emigrantes que deixaram a Pomerânia ao longo do século XIX, há fontes que sinalizam que mais de 330 mil teriam seguido para os Estados Unidos da América, algumas dezenas de milhares para o Canadá e cerca de vinte a trinta mil para o Brasil.
O processo de assentamento nos países de língua inglesa e no Brasil foi bastante diferente. Segundo algumas fontes, o próprio idioma inglês, na América do Norte e a receptividade que tiveram os que lá chegarem, fez com que a integração com comunidades já estruturadas, facilitasse a sua adaptação.
Mas, em 1835, oficialmente o convite do Sr. Züngler foi importante. A chamada ̈Carta de Búfalo ̈ mencionava que havia trabalho e liberdade de culto religioso para todos os imigrantes pomeranos.
Nos Estados Unidos os imigrantes foram para dois importantes Estados: Wisconsin e Minnesota. Porém, outras cidades americanas também receberam imigrantes pomeranos, como Milwaukee, Freistadt, Theresa, Lebanon, Michigan, New York, Búfalo, Austin, New Braunfels. Como já citado anteriormente, isso se traduz na presença da língua inglesa de fácil compreensão para os que falavam o pomerano, da culinária mais conhecida aos alemães em geral e sobretudo pela presença de uma vida social em comunidades já organizadas.
No Brasil, ao contrário, os assentamentos teuto-brasileiros, e nestes também e incluem as dos pomeranas, terminaram surgindo em regiões pouco povoadas e relativamente inóspitas. Vale lembrar que o assentamento de Santa Leopoldina, no Espirito Santo ocorreu em uma região montanhosa e pouco fértil, onde primeiramente iniciaram com uma cultura de subsistência, constituída de milho, arroz, feijão e mandioca. Somente mais tarde o governo Imperial incentivou a cultura de café e que se tornou o principal produto da colônia.
Todo o transporte de mercadorias costumava ser feito pelas tropas de mulas, também conhecidas de burros. As tropas eram formadas por mulas, animais muito resistentes e com uma grande capacidade para carregar peso. A tropa era encabeçada pela mula madrinha, toda enfeitada, sendo seguida por um lote de cerca de dez a onze burros, ou com formação maior, dependendo das posses do proprietário. No pescoço da mula-guia era pendurada uma cinta grossa de couro trabalhado com vários adornos incrustados de níquel e prata e com seis sinos. Cada sino tinha um som diferente. Dessa forma, nos desfiladeiros, já ao longe anunciavam a passagem da tropa, a qual, em geral ao longo de um dia, percorria trajeto de quinze a vinte quilômetros. No lombo dos animais seguia grande parte da colheita dos agricultores até o povoado de Porto do Cachoeiro que, nas primeiras décadas, era embarcada em longas canoas e que era transportado até a cidade de Vitória. As canoas não só transportavam a produção dessas regiões, mas também levavam passageiros. Os barcos a vapor apenas chegaram no início do século XX.
Os que tinham condições financeiras, viajavam na chamada estância, uma espécie de primeira classe e passageiros menos abastados seguiam sobre a carga, geralmente de milho, mandioca e café.
Nessas pequenas embarcações, o canoeiro mestre levava consigo um baú com objetos pessoais, um buzo (buzina) feito de chifre de boi, um instrumento
de sopro para anunciar a passagem da canoa, um fogareiro de ferro, para o preparo das refeições em terra firme, valores em dinheiro a ele confiados e as correspondências de outras Províncias e do estrangeiro. No porto de Porto do Cachoeiro as canoas, com frequência, aguardavam por muitas horas pela preparação da carga para ser transportada até a capital.
Em Santa Catarina, de forma não muito diferente, os recém chegados também foram “lançados” em meio a uma densa selva, entre montanhas e vales e onde tiveram que encontrar o seu próprio caminho.
Já no Rio Grande do Sul, foram assentados em “meio do nada”, entre a Lagoa dos Patos e as charqueadas, nas proximidades do ancoradouro de São Lourenço do Sul. Nessas planícies de terras estranhas, próximas à foz do Rio São Lourenço, além de terem que conseguir recursos para a aquisição de uma propriedade, tiveram que providenciar sua alimentação em meio a esse ambiente quase hostil e circundado de pessoas com as quais não conseguiam se comunicar. Nos primeiros tempos, plantaram algodão, mas as formigas danificaram as suas lavouras. Depois plantaram tabaco, que também não lhes deu rendimentos satisfatórios.
De 1863 até 1893 passaram a plantar batata inglesa, com o que muitos imigrantes já tinham tido larga experiência. Na Europa, desde 1753 os pomeranos haviam plantado esse tubérculo em grande escala, incentivado pelo próprio rei da Prússia, Frederico II o Grande (reinado de 1740 a 1786).
Dessa forma, logo, do interior de São Lourenço passaram a chegar carroças repletas de batatas até os armazéns dos portugueses, localizados no porto do rio São Lourenço do Sul, nas margens do rio São Lourenço. Escravos retiravam a batata das carroças, as pesavam e depois as acondicionavam em fardos e os embarcavam em barcos, conhecidos como chatas, que, por sua vez seguiam pela Lagoa dos Patos até o Oceano Atlântico para as transportar aos comerciantes uruguaios ou para os grandes armazéns dos portugueses e luso-brasileiros na cidade do Rio de Janeiro. O auge das safras da batata, conforme o historiador Jairo Scholl da Costa, foi o ano de 1891, quando abasteciam o mercado no Rio Grande do Sul, (sobretudo Rio Grande e Pelotas). Além disso, a batata resistia bem ao transporte em navios até os mercados distantes.
Diferentes dialetos pomeranos
Existem diferentes dialetos pomeranos? Sim. Na antiga Pomerânia havia muitos dialetos. Mesmo que o ducado e depois província prussiana tivesse uma extensão muito pequena, algo em torno de 160 km de largura e 500 km de comprimento, durante séculos a sua população viveu na chamada costa báltica, restrita em seus povoados e aldeias. Como servos dos senhores feudais, não tinham permissão para saírem das propriedades. Isso fez com que em todo Báltico surgissem muitas variantes daquele Platt, até mesmo em diferentes distritos, um idioma tão popular em tempos da Liga Hanseática. Há quem diga que na Pomerânia havia quatorze dialetos pomeranos diferentes, e que pelos menos dois ou três destes terminaram sendo trazidos para o Brasil. Para São Lourenço os primeiros imigrantes chegaram em 18.01.1858, em Espírito Santo em 28 de junho de 1859 e em Pomerode, ao menos oficialmente, em 1863.
Porém, na realidade a primeira região brasileira a receber os imigrantes pomeranos, oficialmente foi a Colônia Santo Ângelo, hoje cidade de Agudo/RS. O que ocorreu em 1. de novembro de 1857. Ainda hoje existe um distrito nesse município denominado Linha Pomerana.
Agora fica mais fácil entender, porque os pomeranos que aqui chegaram tinham maneiras diferentes de dizerem a mesma coisa com palavras diferentes. Isso é, também no Brasil temos diferentes dialetos pomeranos.
Hoje os pomeranos brasileiros reconhecem e reafirmam a sua identidade, recuperam ou criam novas tradições, são orgulhosos do que fazem em prol do resgate da própria língua que cada vez mais vem sendo ensinada em casa e nas escolas. A primeira vista, toda essa diversidade de origem até parece criar conflitos em torno de determinadas autenticidades linguísticas. E isto, nos dias de hoje pode ser observado nas diferentes regiões de colonização pomerana no Brasil. Sempre vão surgir perguntas sobre qual seria a ortografia mais correta e qual seria o vocabulário mais original. Não podemos esquecer que o pomerano permanece sendo uma língua viva e, com tal é dinâmica, isto é, sempre irá sofrer influências do meio onde é falada, seja do entorno da região de Espirito Santo, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul ou mesmo das novas região de migração, como Rondônia.
Temos exemplos clássicos e de certa forma identificável no dicionário-enciclopédico elaborado pelo professor Ismael Tressmann, e lançado em 2006, baseado nos levantamentos feitos no estado de Espírito Santo. É uma obra original fantástica e com 591 páginas.
Também no Grande do Sul, elaborado pela professora Aloi Schneider, foi publicado em 2019 o pequeno dicionário escolar bilingue, com 198 páginas, que resgata em boa parte essa diversidade linguística registrada nas colônias pomeranos sul-riograndenses.
Agora, quem tem razão, ou quem detém a melhor ortografia? Nas minhas muitas viagens para a Pomerânia, tive a oportunidade de trazer seis diferentes dicionários pomeranos, publicados durante o século XX, nos quais facilmente se identifica muitas dessas variantes da escrita e do vocabulário.
Diferentes características dos assentamentos
Resumindo, pode-se dizer que, no Brasil se formaram três núcleos distintos de imigrantes pomeranos e que também terminaram evoluindo de forma bastante distinta.
A Colônia de Santa Leopoldina
No Espirito Santo, os recém chegados em 28 de junho de 1859, logo se instalaram na colônia designada no Estado do Espírito Santo, localizada em uma altitude de 17 a 30 metros (relação ao oceano Atlântico). Aqui, nas proximidades do Porto do Cachoeiro foram pulverizados em toda a área da Colônia de Santa Leopoldina. Por se tratar de uma região extremamente acidentada, não tiveram grandes contatos com populações de áreas urbanas. Pode-se dizer, que passaram a viver de forma muito isolada. Esse processo perdurou por praticamente um século, não por que quisessem, mas por terem sido assentados estrategicamente nessa região pelo governo imperial, para separar os mineradores das Minas Gerais dos índios botocudos, que viviam na área litorânea.
Apenas cerca de dez anos depois de terem sido assentados, chegaram os primeiros pastores alemães os quais passaram a organizar a construção das primeiras capelas nas “Pfarrerland”, isto é, nas terras do pastor, onde este e sua família também cuidavam da vaca de leite, das galinhas e da montaria. Essa propriedade da igreja trabalhada pelo pastor da Alemanha também passou a ser um modelo de organização para as propriedades dos agricultores e que foi sendo copiado pelos membros das comunidades.
Mas nem todos os filhos ficaram na terra dos pais. Em geral, terminavam saindo de casa, na procura do seu próprio espaço, e de 1900 a 1935 passaram a povoar outras regiões como Santa Joana, Alto-Limoeiro, Palmeira de Santa Joana, Crisciúma, Laranja da Terra em 1910, Lagoa em 1912.
Albert Richard Dietze foi o primeiro fotógrafo de Santa Leopoldina. Seu acervo é considerado uma relíquia. Documentou através da fotografia todo cenário de uma época, onde os pomeranos sempre estavam presentes. Na Fig. 5 se identifica a casa de um imigrante no distrito de Suíça nos arredores de Santa Leopoldina, no ano de 1875. Fotografia gentilmente arquivada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Essas imagens fazem parte da Coleção da princesa D. Tereza Cristina. Dietze enviou uma coletânea de 50 fotografias para D.Pedro II, solicitando seu auxilio na divulgação das Colônias da Província do Espírito Santo na Europa. Porém, apesar do seu pedido não ter sido atendido pelo imperador, as fotografias felizmente foram preservadas, conforme estudo divulgado pela Professora Almerinda Lopes da Silva, pesquisadora da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória) A autora editou um livro com essas imagens da Coleção de Dietze ao qual ainda adicionou outras obtidas de descendentes de Albert Richard Dietze que hoje ainda vivem no Rio de Janeiro. Fotografia acima foi gentilmente cedida pela Professora Almerinda Lopes da Silva.
No Espírito Santo desde o início os imigrantes adotaram um modelo social de convivência mais esporádica baseado em três pontos: Nos encontros dominicais, seja antes dos ofícios religiosos ou mesmo depois dos mesmos, aconteciam as trocas de informações e até mesmo muitos fechamentos de eventuais negócios. Não havia “Clubes” ou entidades associativas. Os encontros sociais, como casamentos e eventuais confraternizações, como as de aniversários ou dos “ajuntamentos” para auxiliar em colheitas ou na construção de novas casas aconteciam nas próprias casas. Quando ocorriam de noite, transcorriam em ambientes iluminados com lamparinas de querosene e eram animados pela concertina, um tradicional instrumento musical.
A intensa visitação entre familiares e amigos fazia com que as tardes de domingo de tornassem momentos de intenso intercâmbio social e de troca de informações, quem sabe para compensar a vida isolada que os agricultores levavam nas suas respectivas propriedades. (Continua no próximo número da FP)