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A vida como Defensor Público na maior ilha fluvial do mundo

Publicado em 01/10/2021 às 10:04

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Nestes oito meses em efetivo exercício como Defensor Público na área Cível – a outra área é a Criminal, onde atuam dois amigos –, em Breves, a “capital” da maior ilha fluvial do mundo, a Ilha de Marajó, me deparei e me deparo com algumas realidades que retratam um pouco da cultura nesta parte pouco conhecida pelo sudeste e sul do país.

Mais de 90% do meu trabalho está concentrado na área de Direito de Família, com mais de 80% desta atenção dedicada aos pedidos de pensão alimentícia, com a mulher sendo a representante do menor.

Existe um descaso muito grande do universo masculino para com a paternidade. Costumo resumir que muitos homens querem somente o bônus dos bons momentos, mas não o ônus de suas possíveis consequências.

Estamos falando, em termos financeiros, de acordos – sim, conseguimos muitos acordos em nossa Regional – ou ações judiciais discutindo, em sua grande maioria, entre 10 a 20% do salário-mínimo, ou seja, entre R$ 110,00 e R$ 220,00, pois o genitor não consegue pagar mais do que isso, já que o emprego aqui está centrado na Prefeitura, no comércio e só, para vermos a precariedade da situação nesta área do país, nos benefícios assistenciais do governo federal.

Todo dia vejo filas e filas na porta do BanPará – banco do Estado do Pará – e da Caixa Econômica Federal, para retirada de um dos benefícios fornecidos pelo governo, por exemplo, bolsa-família.

A briga por terra aqui também é grande. A maioria dos litígios envolve imóveis sem regularização em que se disputa a posse em área pública por parte de particulares. Diante da escassez de programas efetivos de reforma agrária, resumindo, é a busca de um chão para morar.

Entretanto, nessa disputa por um pedaço de chão para se chamar de seu, enfrentamos grandes dificuldades, por exemplo, tentar entender qual é a área disputada, pois não se tem planta, e quem invadiu a área de quem, se é que teve invasão – isso ocorre muito com cidadãos que vivem às margens dos rios que são denominados de ribeirinhas quando procuram nos fazer entender a área em que vivem, a sua realidade.

Além dos casos de família e de posse, somos provocados por cidadãos que querem acionar a Prefeitura para o recebimento do que se chama de TFD, verba pública destinada a tratamento fora do domicílio, por exemplo, quando um brevense precisa fazer tratamento de saúde em Belém, ele e o seu acompanhante, tem direito a receber esta verba. Graças a Deus estamos tendo um bom diálogo com a prefeitura e resolvendo amigavelmente boa parte destes litígios.

Concluindo, ao lado das ações de alimentos, que enchem a minha caixa de entrada de e-mail para revisões – muito do nosso trabalho, dos nossos termos de acordo e das nossas ações, eu diria a maior parte, é feito por uma competente equipe de apoio, mas quem assina os documentos é a pessoa que escreve este artigo, daí têm que ser revisadas – a prioridade são as ações buscando interditar pessoas que não conseguem resolver sozinhas afazeres básicos do dia a dia, como receber uma aposentadoria, por exemplo, e precisam que lhes seja nomeado um curador, para que as auxiliem nestes atos. A média é de cerca de 100 documentos a serem revisados me aguardando na caixa de entrada do meu email da Defensoria. Mas é como enxugar gelo, reviso as peças pendentes, mas chegam dezenas de peças todos os dias.

Em função do escasso tempo, eu tenho focado o meu atendimento pessoal e direito aos assistidos nas questões mais complexas, por exemplo, posses, inventários.

Ao lado do atendimento aos mais de 100 mil habitantes por 3 Defensores, eu no Cível, Maria e Kelvin no Criminal, tenho cerca de 10 audiências por semana, em torno de 50 processos eletrônicos chegando diariamente ao sistema eletrônico da Justiça Estadual paraense, denominado de PJE, os quais eu tenho que filtrar, pois vão de uma mera ciência de uma audiência, a uma defesa ou a um recurso, estes com prazos. Já ia esquecendo, recebemos assistidos nos procurando diariamente para elaborar defesa após insucesso em tentativa de conciliação, ou recurso de sua decisão, ou recurso em Juizado Especial, onde, em regra, somente atuamos na fase recursal.

Dentre estes casos aparecem alguns inusitados, como um em que o cidadão compareceu à Defensoria afirmando que mataram o gato dele e que ele suspeita que seja fulano, e que quer que a Defensoria faça justiça.

Enfim, e concluindo, tem sido bem gratificante ajudar esse acolhedor – desconheço um povo mais amável – povo paraense a melhorar a sua situação de vida e ter, mesmo que não da forma que eu gostaria, já que sou muito metódico e perfeccionista, herança boa do meu amado e saudoso pai, devido ao excesso de trabalho, o reconhecimento dos seus direitos.

Jairo Maia Júnior é Defensor Público no Pará

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