Coluna Pomerana
A PÁSCOA DOS POMERANOS
Publicado em 04/04/2022 às 15:49
Parte I
EIRKRAUT e OSTERWASSER são símbolos genuínos da páscoa de Pomerode. Quando a páscoa se aproxima, somos logo tomados por um sentimento de que um tempo de celebração se aproxima, é uma data carregada de manifestações culturais.
A palavra páscoa que tem origem do hebraico “pessach”, significa “passagem”. Na Páscoa judaica, remete à passagem da escravidão para a liberdade do povo judeu. Já no calendário cristão a passagem da morte para a vida (ressureição de cristo).
Por sua vez, nas línguas saxônicas a palavra tem outra origem, no alemão denominada de Ostern, em pomerano/Platt chamada de Ousda ou Ouster e ainda em inglês de Easter, também podemos vincular com um momento de passagem, mas nesse caso a mudança de estação no continente europeu. Na região da Alemanha e antiga Pomerânia, o mês de março se caracteriza pelo início da primavera, momento em que ocorre a transição de dias mais frios e escuros para dias mais ensolarados e quentes. A celebração dessa “passagem” de estações é celebrada há séculos e tem um lastro com a era pagã, pois nesse período se cultuava a deusa germânica Eostre/Ostara. Ela estava relacionada a primavera e era considerada a deusa da fertilidade. Havia, inclusive, a denominação do oestremonat, considerado o mês
germânico para essa deusa. O culto a deusa da fertilidade está conectado a primavera, período que se inicia o semear e o cultivar da terra. Uma época em que presentear com ovos fazia parte da tradição
tanto nos povos germânicos como nos eslavos. O ovo está ligado à fertilidade, sendo um símbolo da origem da vida, da mesma forma, a simbologia do coelho ou lebre, também relacionada à fertilidade,
igualmente estariam ligados a deusa Eostre/Ostara.
Outros povos antigos como os persas e romanos já tinham o hábito de presentear com ovos, associando a época da primavera com o renascimento, florescimento e fertilidade.
Em Pomerode trata-se de uma tradição secular, os imigrantes quando colonizaram essa região, trouxeram da Europa o costume de presentear com ovos coloridos na manhã de páscoa. No início, o ovo era presenteado cozido com a casca colorida e consumido naquela manhã especial. Os imigrantes encontraram nos trópicos uma planta nativa que atendia perfeitamente a função do “tingimento do ovo”, a denomiram de Eierkraut (planta/erva do ovo), pois ano a ano a mesma passou a ser utilizada para colorir os ovos no prenúncio da Páscoa. O processo consiste em separar o bulbo da folhagem, cortar o mesmo e colocá-lo em água fervente. Posteriormente mergulhar o ovo ou somente a casca deixando cozinhar por dois minutos. A coloração adquirida é um surpreendente roxo intenso extremamente característico da Páscoa de antigamente. Também é possível usar folhas e flores que são colocadas na casca sobre o qual é envolto um tecido mergulhando-se o ovo para o cozimento.
Esse processo proporciona um decalque nas casquinhas de belo efeito estético. A pintura da casca do ovo com Eierkraut foi um precursor do que conhecemos hoje como ovos de Páscoa. Num processo evolutivo as casquinhas começaram a ser pintadas com tintas sintéticas e recheadas com balinhas, amendoim, entre outras guloseimas, e, mais tarde, os tão característicos ovos de chocolate. Elsira Ewald, pomerodense da localidade de Ribeirão Souto lembra que quando criança sua mãe coloria os ovos com Eierkraut e na manhã de Páscoa os ovos eram consumidos no café da manhã. Para ela, era um momento único que ficou marcado em sua memória.
A Páscoa em Pomerode sempre foi marcada por muitas tradições, e a pintura dos ovos com Eierkraut pode ser considerado o início e o elo para a atual e grandiosa festa de páscoa da cidade, denominada de Osterfest. A principal atração é uma enorme árvore (Osterbaum) com 100.000 casquinhas naturais de ovos de galinha pintados, ou seja, a Osterbaum pode ser destacada como um simbólico adorno para toda a comunidade que expressa uma tradição secular de pintar ovos para a celebração da Páscoa.
Mas além da tradicional simbologia do ovo na Páscoa, outra tradição secular desperta a curiosidade, trata-se da Osterwasser (água de páscoa), um ato carregado com fortes crenças de que pode trazer beleza e saúde. A água deve ser coletada numa fonte antes do nascer do sol. A Pomerodense Locady Gall
(nascida Zinnke) moradora da localidade do Ribeirão Herdt, lembra que sua avó e sua mãe tinham essa prática. Da mesma forma, ela também buscava Osterwasser na manhã de Páscoa. Quando solteira fazia isso no riacho da casa dos Pais (Anna e Wilhelm Zinnke) que ficava na rua Leopoldo Blase em Pomerode Fundos, e depois, quando se casou com Otto Gall continuou a tradição na localidade de Ribeirão Herdt. A senhora Locady relembra no auge se seus 86 anos, “que se deve acordar cedo (antes do sol nascer), levar o jarro ou balde na mão direita, coletar a agua no riacho com a mesma mão e proferir em nome do pai, do filho e do espírito santo. No caminho de casa novamente proferir em nome do pai, do filho e do espírito santo (ideal falar 03 vezes durante o ritual). Chegando em casa a água deve ser envazada em garrafas. É uma água que se conserva e pode ser usada para males que possam afetar as pessoas da casa. No próximo ano na manhã de Páscoa se coleta nova água”.
A Osterwasser é considerada uma água sagrada/santa e para muitos uma superstição, sendo mantida numa garrafa e usada ao longo do ano como remédio. Atualmente algumas famílias na cidade ainda mantém essa tradição e a crença de que a água pascal os irá proteger ao longo de um ano.
Resumindo, a Páscoa simboliza a passagem da morte para a vida, o renascimento e a fertilidade de bons tempos e a esperança de um novo ciclo mais próspero.
Interesse pela Língua Pomerana no Brasil
Parte II
José Carlos Heinemann
A partir de 28 de junho de 1859, os imigrantes pomeranos foram assentados pelo governo imperial, no Estado do Espírito Santo, entre a região dos mineradores e os índios da costa brasileira. Hoje poderíamos dizer que, no Brasil, essa podia ser considerada a pior área para assentamento de imigrantes europeus, pois era totalmente diferente das terras planas na Pomerânia, com seus campos de cultivo de cereais. Foi nestas terras do Estado do Espírito Santo, mais precisamente em Porto do Cachoeiro (atual Santa Leopoldina), entre montanhas e vales, que plantaram a sua lavoura de subsistência e de café. Por lá ficaram em um relativo isolamento. Foram “colocados” aqui e desempenharam a sua missão de plantar,
viver, colher e com o tempo se expandiram.
Como em muitos das localidades representavam a maioria da população, os pomeranos e seus vizinhos também passaram a utilizar a sua própria língua e que era o pommerisch. Era o idioma que haviam trazido da Europa na época da colonização ao Estado do Espírito Santo.
Era uma região de uma temperatura relativamente fria, pois se localizava em uma altitude de mais de 800 metro, sobretudo nas localidades de Rio Possmoser, Serra do Gelo, Serra dos Pregos, Barra do Rio Claro e Mata Fria (São João do Garrafão). É importante que se diga que, praticamente até a década de 1970 muitos desses moradores sequer conheciam outros municípios e continuavam se comunicando em pommerisch. Viviam em uma relativa paz.
Entretanto, com a chegada de novos agricultores provenientes de outras regiões, uma série de problemas e vícios passaram a ocorrer, abalando a estrutura de suas comunidades. Foi dessa forma que Santa Leopoldina teve seu nome de cidade veiculada nos principais jornais das grandes capitais. Pois, no dia 14 de maio de 1971 houve um casamento entre as famílias Lemke e Schneider e nas festividades aconteceu um crime na casa da noiva.
O juiz da Comarca de Santa Leopoldina, da época, era Geraldo Plínio da Rocha, o qual em 26 de novembro de 1981 ouviu o casal Luís Schneider e Flora Otto, presentes naquela festa e que haviam testemunhado o crime. Os dois eram membros da Comunidade evangélica luterana de Barra do Rio Claro (de Rio Possmoser).
Na audiência com o Dr. Geraldo Plínio da Rocha, as testemunhas informaram não dominarem a língua portuguesa. O juiz, não aceitando a alegação e argumentando que um brasileiro não conseguindo de comunicar na língua portuguesa representava uma afronta ao Judiciário. De imediato lhes deu vós de prisão os prendeu. Em seguida, em 21 de dezembro de 1981, os maiores jornais das capitais brasileiras, como também o Jornal Gazeta-Vitória/ES, começaram a divulgar o ocorrido. No citado caso, de imediato, quando os integrantes das comunidades luteranas tomaram conhecimento do episódio, paroquianos e pastores das mais diversas regiões se deslocaram para o Fórum Canaã para obterem a libertação do casal.
O episódio descrito acima, mostra claramente que, quem não conhece a história de imigração no Brasil, mesmo ocupando altos cargos do Governo, pode cometer erros irreparáveis e seu nome ficar marcado por gerações, por ter-se precipitado em uma infeliz resolução.
No seu livro, Vale do Canaã, de 1902, Graça Aranha (1868-1931), autor e juiz em Porto do Cachoeiro (Santa Leopoldina), cita que, quando um agricultor pomerano precisava vir até a cidade, para negociar sua safra ou produtos, não conhecendo bem a língua portuguesa, convidava um compatriota para atuar como intérprete. Dessa forma nunca tiveram problemas.
Segue no próximo número da FP