Coluna Pomerana
A bíblia pomerana de Barth
Publicado em 11/05/2020 às 17:15
Nas últimas semanas, muitos comentários sobre a origem da língua pomerana tem sido ouvido nas redes sociais dos grupos pomeranos. A própria evolução das diferentes formas de falar em toda a região que constituía a Alemanha até 1918, parece bastante obscura, até porque não se tinha uma documentação fidedigna da evolução da sua história.
Sabe-se hoje, que a migração dos povos, que ocorreu de forma muito intensa durante o primeiro milênio da era cristã, influenciou toda a reformulação das nações ou reinos que haviam se estabelecido na Europa Central, como também contribuiu para o surgimento dos diferentes dialetos ou línguas germânicas primitivas.
Já durante o segundo milênio, toda a área que naqueles tempos constituía o Sacro Império Romano Germânico passou por um processo de germanização, que também se caracterizou, sobretudo, pela consolidação dos diferentes dialetos regionais.
A chamada “Reforma Protestante”, liderada por Martin Luthero e simbolizada pelo ato da fixação das 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg e que teve outros seguidores importantes como o teólogo francês Jehan Cauvin (movimento calvinista), Melanchton, Zwingli e Bucer, passou a influenciar profundamente a própria vida da população de toda a Europa Central. Pode-se dizer que foi a partir dessa reforma e com a publicação de uma bíblia na língua do alto alemão (Hochdeutsch), ocorrida a partir da tradução feito por Lutero, tendo como base os textos originais em hebraico e em grego antigos, que “surgiu” a língua alemã (Hochdeutsch) que se mantém até os dias atuais
Aqui é preciso salientar que a língua pomerana é diferente do Hochdeutsch, o “alemãopadrão”, até porque, as duas têm origens distintas. A primeira, de certa forma, foi “criada” por Lutero, com a tradução da bíblia, na qual utilizou palavras e expressões que fossem compreendidas pela maioria da população germânica. Por outro lado, a língua falada na Pomerânia, a “mittelniederdeutsche Sprache” (baixo-médio-alemão) se assemelhava mais ao holandês, ao vestfaliano e ao saxão antigo.
A doutrina pregada pelo reformador Lutero também chegou nas terras da costa do Mar Báltico, pelo trabalho conduzido pelo pastor e teólogo Johannes Bugenhagen, também, conhecido como Doctor Pomeranus.
A necessidade identificada por Bugenhagen, de haver textos que pudessem ser lidos pela população pomerana, fez com que se buscasse uma bíblia escrita em uma linguagem compreensível a essa população. Foi dessa forma que surgiu a chamada “Bíblia de Barth”.
Como modelo foi utilizada a chamada “Lübecker Bibel” de 1533, a qual, com auxílio de Bugenhagen foi traduzida para o baixo-médioalemão (pomerano) e que passou a ser utilizada como livro sagrado, colocado nos altares das igrejas de toda Pomerânia. Naqueles tempos, o duque Bogislaw XIII, de Pomerânia Ocidental (Pommern-Wolgast) residia na cidade de Barth. A Pomerânia Oriental (Pommern-Stetin), tinha com sede a cidade de Stetin
Essa primeira edição, segundo diferentes fontes, teria publicado de 500 a 1000 exemplares. Nos dias de hoje ainda há perto de uma centena de exemplares guardados em diferentes instituições pelo mundo afora.
Vale também citar que a cidade de Barth foi a sede da adminis-tração do ducado da Pomerânia Ocidental (PommernWolgast) de 1573 até 1604, período em que a editora do palácio do duque (Fürstliche Druckerei Barth) chegou a publicar cerca de 45 livros, ao mesmo tempo em que também teria publicado em sem número de textos de Lutero.
Os mais de 90 clichês, para a edição dessa bíblia, haviam sido confeccinados em madeira (técnica da xilogravura), a partir dos quais, posteriormente, foram elaborados com clichês metálicos (de chumbo) (figura 7), o que contribuiu para a divulgação dessa obra de características muito especiais. A coloração das figuras, depois foi feito mediante uma sequência de impressões com tintas de cores diferentes (veja na figura 8). Alguns desses clichês de madeira ainda se encontram preservados no Museu do Principado de Lüneburg, na cidade de Lüneburg.
Nos dias de hoje, o Centro Bíblico de Barth, perto da costa do Mar Báltico, conta a história daquela cidade que, outrora foi a sede do ducado de Pomerânia Ocidental (Pommern-Wolgast) e onde foi impressa a primeira bíblia em língua pomerana. Desta forma, a bíblia de Lutero e a bíblia de Barth, de certa maneira, passaram a cumprir um papel semelhante, na documentação e na preservação das línguas Hochdeutsch (alto-alemão) e do Plattdütsch (baixo-médio-alemão ou também chamado de baixo-saxônico).
Um gesto sublime de mães pomeranas
O pequeno Bertholdo estava viajando com sua mãe para o Brasil. Já tinham passado pela costa inglesa, e sua mãe (Frau Havermann) passou a se queixar muito do balanço do navio. Estava cansada e parecia estar perdendo as forças. A viagem seguia.
No porto de Hamburg, já haviam esperado 45 dias pelo navio que os levaria ao Brasil. Quando este finalmente aportou e os imigrantes pomeranos puderam subir a bordo, atônitos foram constatando a precária adaptação que havia sido feita no seu interior. Um antigo navio cargueiro, agora passara a ser uma embarcação de passageiros, sem um mínimo de conforto e que levaria pessoas para uma longa viagem até um outro continente. Logo souberam que os passageiros alemães de outras regiões haviam embarcado em navios com acomodações mais confortáveis, bem mais velozes, enquanto que aos pomeranos, de origem humilde, depois de uma longa espera, eram destinadas as embarcações precárias e superlotadas.
Temendo pelo pior Frau Havermann fez amizade com um dos cozinheiros do navio, o qual também não mediu esforços em ajudá-la no que fosse possível. Preocupada pelo segurança do seu pequeno filho Bertholdo, pois a sua saúde parecia cada vez mais precária e temendo que pudesse vir a falecer, pediu ao cozinheiro, em caso de tal fatalidade, que escondesse o seu pequeninho entre os tonéis de água da cozinha.
O estado de saúde da passageira rapidamente piorou e logo veio a falecer. Sem perda de tempo, o marujo pôs em prática o combinado. Procurou um dos tonéis da água que já estava esvazio, colocou o pequeno Bertholdo no seu interior e o cobriu com panos. Na hora das refeições lhe alcançava um prato de comida. À noite, enquanto todos dormiam e a tripulação do navio estava nos seus postos de trabalho, Bertholdo podia sair do barril e andar pela cozinha. E assim prosseguiu por toda a viagem.
A tripulação, atarefada com suas lidas, no navio repleto de imigrantes não deu pela falta da criança. Mais tarde, quando o barco se aproximava da costa brasileira, já na Bahia, a Frau Fiss (Augusta Havermann Fiss), uma das passageiras e a única sabedora do esconderijo da criança, procurou o cozinheiro e, em uma atitude carinhosa, assumiu a responsabilidade pelo Bertholdo. Depois de atracarem no porto do Rio de Janeiro, sem ser notada pelos tripulantes, desceu pela rampa do navio, acompanhado dos seus filhos e do pequeno Bertholdo.
Frau Fiss (Augusta Havermann) era casada com Hermann Fiss. Em 1915, foram morar em Linha Lavina, em São Paulo das Missões, no Rio Grande do Sul e Bertholdo cresceu como filho adotivo do casal. Já adulto e casado com Hermina, passou a residir no distrito de Vila Pinheiro Machado, em Roque Gonzales. Trabalhava na agricultura. Na sua pequena propriedade, de 3 hectares, plantava milho, mandioca, batata e feijão, apenas para subsistência de sua família.
Bertholdo faleceu aos 72 anos de idade e os únicos objetos pessoas que trouxe do navio, além das suas vestes, foram a Bíblia em alemão gótico e seu hinário devocional (Gesangbuch für die Provinz Pommern/Stettin). Essas duas relíquias foram guardadas por ele até o final de sua vida.
Essa é mais uma história de uma família, que foi resgatada e vai para os anais da história popular dos pomeranos, graças a pesquisa de Noeli Havermann, sua filha Renata Seidel e de familiares da Família Fiss.
Ainda nos dias de hoje, Noeli Havermann Seidel, de Esquina Manoel de Roque Gonzales, neta de Bertholdo, relem-bra essa história.