Coluna Pomerana
As religiões impostas aos pomeranos
Publicado em 24/11/2020 às 16:25
Sempre que alguém for estudar a história do povo pomerano, irá se deparar com muitas curiosidades, no mínimo peculiares. Neste sentido, as questões religiosas passam a ter um destaque muito especial. Mesmo que o cristianismo já esteja presente há quase dois milênios na maior parte da Europa, no início do segundo milênio, as diferentes tribos germânicas e eslavas que viviam no corredor pomerano do Báltico, ainda praticavam seus cultos aos deuses pagãos.
Isto mudou em 1168, quando os dinamarqueses, sob o comando do rei Waldemar I, e seu fanático conselheiro, bispo Absalon de Roskilde invadiram o norte da Ilha de Rügen, saqueando e destruindo o templo/fortaleza Kap Arkona e obrigando os sobreviventes da população nativa a serem cristianizados. A partir dessa época, uma serie de conventos dinamarqueses passaram a se constituir em verdadeiros baluartes da fé católica em toda Pomerânia ocidental.
Apesar de não ter sido com tanta ferocidade, algo semelhante também ocorreu na Pomerânia Oriental, onde, em 1124/25 e 1128, comandado pelo bispo Otto de Bamberg e por ordem do duque Boleslaw III da Polônia, houve a destruição dos templos dos deuses eslavos e a consequente cristianização compulsiva da sua população. Ou seja, em toda a Pomerânia aconteceu a imposição do cristianismo católico romano, a “ferro e fogo”.
Já quatrocentos anos mais tarde, em um novo “remanejo” religioso, como consequência dos movimentos da Reforma, (Lutero, Calvin, Swingli), grande parte da Europa também passou por uma ampla “readequação religiosa”. Com isso, também à população pomerana, foi imposta uma nova prática religiosa.
Portanto, no século XII, a população do Báltico foi compulsivamente cristianizada pela igreja católica. Já no século XVI foram convertidos ao luteranismo e começaram a ver no pastor, apoiado pelo senhor feudal e pregando em língua alemã, aquele personagem que impunha toda uma rígida disciplina. Para isso se deve lembrar que os ofícios religiosos católicos aconteciam em latim e os cultos luteranos, de modo geral, eram realizados em língua alemã. Ou seja, o “povo” pouco ou nada compreendia do que era apresentado na igreja.
Aqui no Brasil, depois dos pomeranos começarem a ter certa Fig 5 – Escavações em Cap Arkona – sitio arqueológico da antigo templo/fortaleza pagã, na ilha de Rügen. Ausgrabungen. Foto Seibel assistência religiosa, propiciada pelos pregadores enviados da Alemanha, a língua oficial desses pastores continuava sendo a alemã. Além disso, muitos desses oficiantes europeus cultivavam um franco desprezo à língua pomerana, a qual, sequer compreendiam. Aliás, isto confere com que, certo dia, depois do culto, eu mesmo ouvi de um pomerano: “hoje o pastor novamente fez uma bela prédica (em língua alemã)! Só que eu nada entendi”! Em outro momento, depois de uma repreensão a um paroquiano ouvi o pastor vociferando: “Tu não podes me chamar de Praister (palavra pomerana para pastor), tens que me chamar de Herr Pastor (Senhor pastor)!
Para uma melhor compreensão, dentro de um contexto histórico, será preciso lembrar que, partir da metade do século XIX, grande parte da população do Báltico se viu “espalhada” pelo mundo afora. Foi nessas circunstâncias que os emigrantes pomeranos chegaram ao Brasil. Aqui, no decorrer dos primeiros anos não receberam qualquer tipo de assistência espiritual. Tiveram que se adequar à nova situação de um verdadeiro abandono nas selvas. Pastores e médicos foram improvisados. Essas circunstâncias ofereceram um terreno fértil para as seculares práticas, envolvendo curas pelo benzimento e aos tratamentos com diferentes chás da floresta e também favoreceram o surgimento de novas práticas culturais e ambientais.
Também “ressuscitaram” antigos costumes, readaptando imagens mitológicas aos seus novos significados. Os “espíritos da mata”, na forma de imagens em movimento em regiões pantanosas, o hábito de construírem, sistematicamente, suas casas nas proximidades de matas, de preservarem o seu “Schutzbraif” (carta de proteção), o seu “Himmelsbraif” (carta do céu), mostram traços culturais típicos da sobrevivência de antigos usos e costumes. Eram rituais que passaram a ser praticados secretamente, pois eram severamente combatidos pelos pastores. Mas, se constituíram em mais uma prova da sua capacidade de adaptação às novas situações.
Ao se analisar os pormenores desses seus rituais secretos, facilmente se irá identificar sinais que indicam possíveis práticas remanescentes do tempo do paganismo. São práticas que, durante séculos, sobreviveram entre os pomeranos e que, de alguma forma ainda persistem até os dias atuais.