Coluna Pomerana
HOCHTIJDSBIRER: O Convidador de Casamentos
Publicado em 23/07/2018 às 12:00
Cada grupo cultural tem características e personagens especiais que muitas vezes apresentam traços bem peculiares, e na tradição Pomerana não é diferente.
Foto 1 – Hochtijdsbirer na Pomerânia no kreis de Köslin (Jamund, 1890). Note ao centro o convidador chegando numa comunidade. Foto: Livro Pommersches Hochzeitsbrauchtum
Um bom exemplo é o Convidador de casamento chamado de Hochtijdsbirer (em alemão Hochzeitsbitter), personagem singular que distingue ainda mais os pomeranos dos demais imigrantes que se estabeleceram no Brasil, se diferenciando principalmente dos denominados “brasilioner” (população de fala portuguesa). Normalmente o irmão caçula da noiva era selecionado para ser o Convidador. Os jovens pomeranos eram frequentemente mais desinibidos e de mais fácil adaptação.
Foto 2 – Imagem de Hochtijdsbirer (Hoschzeitsbitter) no Kreis de Köslin na Pomerânia (1932). Nesta foto o livro cita que no Brasil essa tradição ainda é praticada – Fonte: Livro Das Alte Pommern
Klaus Granzow relata um de seus encontros com um Hochtijdsbirer no Espírito Santo ao pedir informações da localidade: “Avistamos um jovem senhor que fazia uma pausa e dava comida ao seu cavalo enfeitado. O nosso motorista perguntou em português informações sobre o caminho que deveríamos seguir, mas ele não entendeu nada e subiu na sela do seu cavalo já indo embora. Quando nos aproximamos dele, percebi que se tratava de um tímido filho de camponês e perguntei em pomerano/Platt: Wat mökst duu hijr? (o que você está fazendo aqui?) Wou gäitst duu hen? (Para onde vai?) Neste momento o rosto dele se transformou, parou o cavalo e respondeu cordialmente: sou um Hochtijdsbirer…. O traje festivo do convidador era composto por um chapéu de feltro decorado com fitas, e em algumas regiões do Brasil foi substituído pelo chapéu de palha. No paletó havia fitas pregadas nas costas e no peito. Enquanto cavalgava as fitas balançavam. O cavalo também era enfeitado, tinha flores, ramos de folhagens verdes e também fitas penduradas. O Hochtijdsbirer levava consigo uma garrafa de cachaça adornada com fitas coloridas, que também serviam para fixar o galho de murta na garrafa. De acordo com a tradição o convidador usa terno preto. Nem sempre essa tradição foi seguida à risca, sendo substituída por roupas leves em dias quentes.
Foto 3 – O convidador segue à frente dos noivos no dia do casamento em direção à casa em Rio Perdido (Baixo Guandu, Espírito Santo). Fonte: Pommeranos in Brasilien de Klaus Granzow, Alemanha, 1972.
O convidador servia-se de meio de locomoção próprio. Partia a cavalo, de preferência manso, do contrário não era possível convidar as pessoas. Não raro parava para alimentar o cavalo entre um convite e outro.
Foto 4 – Nilza e Bruno Griep, da cidade de São Lourenço do Sul (RS), região de muitos pomeranos. Senhor Griep foi convidador (Hochtijdsbiter) em sua comunidade em 1949. Foto: www.facebook.com/oconvidador/
O pesquisador Jorge Kuster Jacob afirma que posteriormente o cavalo foi substituído pela bicicleta e a partir dos anos 1980 a motocicleta facilitou muito as longas distâncias em comunidades pomeranas, como por exemplo, Espigão do Oeste (RO), que é conhecida como “A capital pomerana da Amazônia”. Segundo Jorge, normalmente no Espírito Santo o convidador consegue chamar todos os convidados em 15 dias. Em Rondônia leva mais tempo. Tanto a bicicleta quanto a motocicleta eram enfeitadas.
Na região do Vale Europeu em Santa Catarina, de acordo com informações coletadas no Museu Wolfgang Weege, o Hochtijdsbirer (Hochzeitsbitter) convidava as famílias com três semanas de antecedência à data do casamento. Martin Dreher afirma que, na prática, toda a colônia acabava convidada, pois de alguma forma todos estavam envolvidos com a festividade. Era comum se deparar com um Hochtijdsbirer no mês de maio, já que se tratava do Hochtijdsmånat (mês do casamento) no calendário pomerano. Mas de que forma o Hochtijdsbirer realizava o convite? Para Jorge Kuster, primeiramente ao aproximar-se da casa dos convidados, o convidador dá três gritos para se identificar. Quem estiver na roça desce correndo, pois pela forma de gritar, já se sabe que é convite de casamento. Neste momento as crianças e adolescentes se direcionam para a varanda apontando seus olhares curiosos para o Hochtijdsbirer. Então, todos se reúnem na sala de estar e sentam nos bancos em volta. O convidador entra na sala sem saudar as pessoas e, andando em círculos (geralmente no centro há uma mesa robusta em volta da qual o mensageiro formulado com versos e rimas. Segue um exemplo:
Atualmente os convites impressos são um dos primeiros preparativos em um casamento denominado como tradicional. Aqui já se destaca outra peculiaridade: entre os descendentes de pomeranos nunca foi costume mandar convites impressos. Ele é feito na forma de versos e rimas declamados na língua pomerana. Segundo Jorge Kuster, após a proclamação do verso, o convidador cumprimenta a família e oferece um gole de schnaps (cachaça), que significa o início da festa e cada membro da família convidada toma um gole da bebida sinalizando que o convite foi aceito. Jorcy Foesrte Jacob afirma que uma das meninas da família ou a dona da casa vai até o tüügkaste (baú) pega uma fita colorida ou lenço colorido e prega na parte superior das costas do convidador para confirmar a presença da família. Esses lenços e fitas também serão usados no dia do casamento. O dono da casa oferece uma contribuição em dinheiro, uma vez que o irmão da noiva, o convidador, não pode perder o dia de trabalho. Os convidados também oferecem algo para ele beber. Por fim, se retira com seu cavalo para convidar as demais famílias. No dia do casamento o Hochtijdsbirer fica próximo ao portão de entrada da festa, normalmente enfeitada com um arco feito de folhas de palmeira e flores e, juntamente com os bidijnders (garçons), recep-cionam os convi dados com gritos e muitos fogos. O bandoneon (no ES denominado de concertina) executa a tradi-cional ranerspe-elen (música de chegada). O mensageiro (comvidador) se-gue à frente dos noivos em dire-ção à casa onde acontece o ca-samento. Ainda podemos ver este costume em muitas localidades nas colônias pomeranos do ES e RS. Em SC, a figura do Hochtijdsbirer parece ter sido precocemente substituída pelos próprios noivos que passam a entregar convites impressos; no entanto, a historiadora Roseli Zimmer destaca que na cidade de Pomerode era um personagem bastante comum. De uma certa forma se resgatou o “papel do convidar” do Hochtijdsbirer para a abertura da Festa Pomerana, criando uma adaptação, denominando-o de Festbitter. Este personagem fica encarregado de anunciar e convidar toda a comunidade para a festa de Pomerode. No passado os imigrantes pomeranos, ao verem de longe o convidador, cavalgando ao balanço de suas fitas coloridas e se aproximando da propriedade, saíam correndo de onde estivessem gritando alegremente: lá vem o convidador! Sem dúvida, o convidador de casamentos pomerano foi um elemento que se destacava no grupo ao qual pertencia. Com o seu traje cheio de enfeites tinha um significado muito próprio. Também o ritual utilizado pela família convidada era muito simbólico, pois era desta forma que respondia de uma forma esplícita ao convite da família da noiva.