Arte, Crônicas e Poesia
Crônica: Torpor e amor
Publicado em 15/12/2023 às 16:42
Há muito tempo, ainda jovem, tinha o sonho de conhecer o mundo todo, uma ânsia gigante de estar sempre em movimento, nunca parar e sempre seguir, para onde? Não sei, o andar errante me bastava.
Isso perdura até que chega um dia que o destino passa ser importante, andar sem destino é vazio e melancólico, igual o viajante que depois de longa viagem ao regressar não recebe nenhum abraço. Percebi que vivia em um torpor, alimentado pela busca constante por euforia.
A euforia é uma espécie de droga, ela vicia e te manipula quanto qualquer uma, ela se legitima a si mesmo, contra os sábios conselhos de temperança e prudência, responde-se com o truísmo de que se vive apenas uma vez, “não existe amanhã”. Ao adentrar na velhice a esbórnia cobra sua fatura, o corpo falha, os órgãos acusam o golpe. A doença chega como um oficial de justiça indesejado, com uma ordem de que tudo acabou.
Ao perceber o inexorável transcorrer do tempo, noto certamente que o torpor não era causado apenas pela euforia, essa sem dúvida causou mais ruídos, onde perdi mais tempo foi na busca do entretenimento. Para não ficar entediado, horas a fio foram dedicadas a acompanhar a vida alheia, iludido que somente minha vida era de lutas e de frustrações.
Essa ilusão é a que mais perdura na consciência, pois naqueles dias ruins, ali prostrado, sem saber o que fazer, ao abrir as redes sociais e ver as pessoas viajando, comprando coisas, sorrindo, a dor é ainda maior. Isso foi sem dúvida o ponto que menos vigiei, não parecia que fazia mal, não é como o cigarro que tem um anúncio horroroso na embalagem.Tudo é tão bonito e bem chamativo.
Demorei muito tempo para perceber que o mundo virtual deveria ser tratado de forma menos atenciosa, recordo de uma rede social que media em corações se era querido ou não, o que parecia ser inocente gerou uma corrida maluca por ser aceito e amado. Assim como todo jovem, buscava aceitação e inclusão. E dessa maneira lúdica a importância do virtual foi aumentando gradativamente até o ponto que considerava tudo indispensável.
O acordar é o mais difícil, ir para um caminho solitário, dar importância para coisas socialmente não importantes, para mim não veio sem dor, diante da Covid, um momento muito trágico para todos. Foi preciso olhar para os lugares certos, deixar de buscar entretenimento e buscar conexão espiritual.
Lembro de uma madrugada, lá pelas três da manhã, já pelo nono dia de isolamento, fui acometido de uma falta de ar tão profunda, uma tosse muito intensa.Quando simplesmente tive a percepção de que não estava sozinho.
Apesar de toda agonia, certo instante fui sentindo o medo ir embora e minha vida passando diante dos meus olhos. Foi quando senti muito forte a presença de Deus e do Seu amor e compaixão por mim, algo que nenhuma palavra conseguirá definir ou mensurar, um momento que me marcou para a vida toda.
Comecei a perceber desde então que tive uma segunda chance, uma oportunidade única de viver diferente, percebi que o aprendizado é constante, como se estivéssemos sempre em sala de aula e Jesus fosse o professor. Admito que muitas aulas que Jesus ensinou, como muitos alunos, estava entretido com os colegas ou simplesmente ignorei tudo. Rememoro que muitos erros foram avisados, mas infelizmente aprendi da forma mais dolorosa. Aprende-se com amor quem vive por amor.
Um amor inexplicável e infinitamente forte, mas ao mesmo educado e gentil. Amor esse que me encontrou e deu sentido para tudo. Tirou do torpor e trouxe um renascimento pleno. Vivo buscando prestar atenção às aulas diárias, buscar ser um estudante ao invés de mero aluno.
Adiante, adiante, em marcha constante…